segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Arte do Enrabanço


Em Portugal enraba-se muito e várias vezes ao dia.
Enraba-se porque se tem uma vida medíocre e é preciso não deixar os outros alcançarem objectivos.
Enraba-se, porque se tem frustrações e é urgente descarregá-las em quem se atravessa no caminho.
Enraba-se, porque sim, porque nim, porque não? Enraba-se.
Em Portugal quem não avança, não deixa avançar, quem não progride adora lançar areia na engrenagem dos que querem progredir.
Em Portugal se falta um carimbo para se salvar a vida a alguém, não se salva a vida, pois que falta um carimbo.
Em Portugal dificulta-se, puxa-se para trás, diz-se que não só porque sim.
Em Portugal o enrabanço mútuo e do Estado para com o seu Povo atinge níveis de verdadeira sodomia.
Por isso é tão bom, quando se cruza alguém no nosso caminho que nos desencrava, que nos empurra para a frente, que nos descomplica a vida.
Por isso, quando outro dia o rapaz da Emel, que se preparava para me passar um papelinho, decidiu perdoar-me a "grave infracção" com um sorriso (e não, não foi pela minhas pernas boas), aquilo me soube a milagre.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O mundo podre em que vivemos

Ontem, ouvi da boca de um sociólogo (a propósito do tal filme da miúda a ser espancada) aquilo que temo há já algum tempo:
"Hoje em dia, as coisas não existem antes de serem partilhadas on-line."
Ando a remoer nisto e a pensar nisto e a odiar isto, pura e simplesmente, porque é cada vez mais verdade.
Se não partilharmos a nossa vida on-line, fica tudo em suspenso. Não vivemos de facto aquele momento. Passamos o momento em si a fotografar, a filmar, a documentar. Só quando o vemos publicado, é que a coisa faz sentido, através das reacções dos outros.
Recuso-me a entregar-me a esta merda, recuso-me a achar saudável páginas do facebook de crianças de 5 e 6 anos.
Recuso-me a ser moderna a este ponto.
Já sei que o mais provável é vir a engolir as minhas recusas todas num futuro próximo, mas deixem-me lá ter as minhas teorias por mais uns tempos.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Prostituição a vários níveis

Gosto de ver que a prostituição vai bem de saúde. Em época de crise, é preciso fazermo-nos à vida e, se para isso, for preciso ir para uma tribo ser cuspida, lambida, cheirar entranhas de carcaças de bode, dormir ao relento, carregar com fardos em cima de hérnias discais, limpar o cú a calhaus, ser proibida de tocar em água, simplesmente porque se é mulher, ser equiparada aos animais precisamente pelos mesmos motivos, bora aí.
Falaremos nós de tesos e desempregados?
Pois claro que não, falamos de malta famosa não sei bem porquê. Mas famosa, caraças e, supostamente com carreiras tão interessantes, como empresariado, futebolismo, vedetismo e estupidez.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Época de Guronsan/Água das Pedras/Chá preto

Que é como quem diz:
Época de campanha eleitoral.

sábado, 21 de maio de 2011

Este Levava-me ao Altar



Já passei a fase de vibrar e sonhar com carros todos giraços e estilosos e potentes e charmosos.
Também não sonho com sapatos, nem com carteiras de todos os tamanhos e formatos, pois acabo sempre por andar com a mesma carteira o ano inteiro (padeço da maleita preguiça-da-troca-da-malita).
Quanto às rodas, gosto de um carro fiável, seguro, com espaço na bagageira e pouco mais.
Mas de cada vez que me cruzo com uma coisa destas, o meu olhar fica estupidamente vidrado. Não sei se é pela garra, pela força, pela pujança que transmite. Mas imagino-me no Campo em Inglaterra, rodeada de ovelhas e lama, encaminhando-me para a minha quinta na Escócia, montada numa merda destas.
Depois, se qualquer coisa corresse mal pelas terras de Sua Majestade, vendia o bicho e, com o dinheiro, comprava um T2 em Albufeira.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Clube de Vídeo

Ainda me lembro do primeiro VHS que tivemos em casa. Um bajoulo da Grundig, que me provocou arrepios de emoção, quando penetrou no interior da nossa casa.
Seria possível? Poderíamos nós ver filmes sem ir ao cinema, rever outros tantos no aconchego do lar, meter pause, para a frente, para trás, as vezes que nos apetecesse?
Lembro-me do ritual de ir ao Video-Centro que tinha aberto ao fundo da rua e passar horas a escolher os filmes para o fim de semana, ou para aquela tarde de férias. Percorria as filas de títulos, emocionada por tantas possibilidades.
Nos primeiros tempos de namoro com o Hugo, lembro-me perfeitamente do ritual de irmos alugar filmes para o fim de semana e de como era bom andarmos pelo Block-Buster, ou pelo minúsculo clube de vídeo deste sítio onde moro, onde uma rapariga sem o menor gosto para filmes, me aconselhava sempre os filmes errados e eu, gaja bem educada e tímida, quando os devolvia, dizia sempre que tinha gostado muito.
Pensava muitas vezes que, quando tivesse filhos, os levaria a escolherem filmes, a correrem entre as prateleiras infantis e a vibrarem, tal como eu vibrei durante tantos anos.
Mas a internet chegou e, feliz ou infelizmente, o ritual do clube de vídeo foi desaparecendo. Fechou o Block-Buster, o Video-Centro passou para um contentor e o pequeno clube de vídeo do sítio onde moro, passou a abrir só a partir das 5 da tarde e ontem, quando passei por lá de carro, apercebi-me que tinha fechado também esta pequena ilha resistente de fantasia para alugar.
E pronto, tenho saudades.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Zzzzzzzzzzzzzz - pausa - Zzzzzzzzzzzzzzzzzz

Que organizada que sou. Não tenho moleskines, nem Ipad's, nem post-its, mas sei reger o meu tempo pelo tempo dos outros, mais concretamente pelo tempo dos miúdos.
O meu tempo caminha em função do tempo dos meus filhos e eu sinto-me a deusa do lar.
Olhem para mim tão cheia de organismos organizados, olhem para mim a conseguir fazer tudo, sendo que tudo inclui uma palete de tarefas tão dispares, como trabalhar, alinhavar um arroz de atum, mandar a roupa suja pela escada abaixo, dar banho a um bebé de dentes a nascer, tentar que os dentes nasçam, tentar que o bebé durma. Ouvir a filha mais velha a dizer que está aborrecida e sentir-me a melhor e a pior mãe do mundo em várias fracções de segundo.
Olhem para mim tão completa, tão de bem com o universo cósmico, paralelo e afins.
Cai a noite e deposito-os nas suas camas. Conclúo que amo muito os meus filhos quando eles dormem.
Depois acho que a noite é minha e planeio ler, ver filmes, notícias sobre o gajo que viola empregadas de hotel, séries, dar a mão ao Hugo.
Olhem para mim ainda jovem, ainda culta e informada.
Às 10 da noite preparo-me para ser a Anacê independente e maravilhosa. Meto o filme na televisão, inspiro profundamente o ar que rodeia uma gaja estupidamente interessante e... Adormeço.
À 1 da matina acorda o bebé, pois que chora, pois que está incomodado com a merda dos dentes que rompem sem romperem, que massacram.
Acalma-se o bebé. Anacê inspira, roda e rebola pela cama abaixo e acima e não consegue adormecer.
Passados anos, lá caio num sono profundo e volto a acordar, pois que a filha mais velha tosse, pois que não serena, pois que precisa de se assoar e de pôr soro e de tossir até cuspir a alma (a dela e a nossa).
E agora é altura de parar de me descrever a mim e aos meus dias e noites. Corro o risco de ficar deprimida.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A outra vida

Nas fotografias tudo é perfeito.
Elas mostram apenas aquele cagagésimo de segundo de felicidade e congelam-na, para podermos recordá-la vezes sem conta.
O sorriso pode ter sido rasgado apenas para a objectiva. Pode até ter surgido uma discussão violenta, um choro, uma birra, uma expressão zangada, um bufar de impaciência, logo após o disparo do botão. Elas não mostram o cansaço, o silêncio incomodado, nem o calor que se fazia sentir. Elas não mostram nada do que vai por dentro. Mas o que ficou foi aquele sorriso, naquele lugar bom e assim a vida parece uma sucessão de momentos perfeitos. Assim apetece até acreditar que é possível.
É claro que não falo das fotografias que revelam o lado negro da vida, das fotografias de jornalistas que nos impressionam, comovem,incomodam. Falo das nossas fotografias, daquelas que escolhemos, ou não partilhar. Daquelas que fazem a nossa vida parecer magnífica aos olhos dos outros.
Ando farta da obrigação de fotografar tudo.
Bem sei que imortalizar a felicidade em pequenos frames, é das coisas mais mágicas que possuímos, mas é uma prisão tremenda.
Quero ver pelos meus olhos. Descansar da obrigatoriedade de imortalizar tudo e todos.
Quero viajar sem máquinas, só com a máquina da minha memória.
Sei que jamais cumprirei este objectivo, porque me sinto culpada quando não fotografo, mas é um ideal que vai tomando forma no meu interior cansado das obrigações do mundo.

domingo, 15 de maio de 2011

Um beijinho no teu coração

Desculpem as amigas que já me enviaram beijinhos no coração (sei que foram todos de coração), mas de cada vez que escuto esta frase, imagino o orgão ensanguentado, latejante. Feito de músculo, veias e artérias e o grégório sobe pela glote.
Em última instância, lembro-me sempre do filme "Indiana Jones e o Templo Perdido", em que há um tipo sinistro que arranca corações com a mão e os come.
Imaginar alguém a dar um beijo ali, digamos que não me comove. Acho um bocado vampiresco.
Outra que também me leva às nuvens é: Abracinho.
Eu sei que todos os abracinhos são de facto estupidamente fofinhos, mas eu cá gosto mais de abraços e de bacalhaus.
Abracinho é abraço de anão.
E hoje é isto.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Odeio Sonhar

Não sei o que é que pensam do assunto, mas eu cá odeio sonhar.
Se o sonho é mau, fico com o dia envenenado. E primeiro que me convença que não passou tudo de um sonho, peno muito.
Por exemplo, se sonho que o Hugo me abandonou, passo o dia todo de trombas com ele, pondero até o divórcio e faço questão de lhe mostrar que aquela merda que ele fez, não se faz.
Se sonho que alguma coisa acontece às crias, passo os dias seguintes angustiada, mal disposta, com uma sensação de fim de linha.
Se o sonho é bom, peno na mesma, pois odeio acordar de um sonho que me põe feliz. Odeio a sensação de que tudo não passou de um sonho e fico frustrada o resto do dia, por aquela merda fascinante que me aconteceu, não ter de facto acontecido.
Sonhar acordada também não curto. Acho chato, acho que me desconcentra, que me desnorteia, que me estupidifica.
Vai daí, concluí que os sonhos sonhados, mais não são do que partidas sádicas que pregamos a nós próprios e vou procurar na net comprimidos para deixar de sonhar.

domingo, 8 de maio de 2011

Di Profundis Pensamentus

Quero dormir.
Quero ceder a um filme chato que passa na televisão, enroscar-me no sofá e deixar-me adormecer, sem ser acordada passados dois minutos e meio.
Quero acordar por mim própria.
Quero dormir.
Quero deixar de me sentir sempre cansada.
Quero dormir.
Quero dormir como se tivesse levado com um tijolo na cabeça.
Quero dormir.
Se repetir isto muitas vezes, pode ser que consiga.

sábado, 7 de maio de 2011

A Casinha da Matilde

A propósito de mulheres determinadas, conheço uma que teve uma filha há três meses atrás e viu o seu emprego desaparecer.
Em vez de ficar a lamentar-se pelos cantos, decidiu que podia tentar uma coisa que realmente gostasse de fazer e assim nasceu este blogue.
Ontem, pedi-lhe que me arranjasse uma solução para a Miss Desenho que tenho cá em casa e que anda sempre de folhas e canetas atrás para todo o lado onde vamos.
Aqui está o que ela improvisou em 24 horas :)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Feminista que nasceu em mim

Nunca gostei de feminismo, de machismo, de nazismo, de putismo, ou do que quer que fosse que terminasse em Ismo e que dissesse que uns são melhores do que outros.
Mas, os dias, os meses e os anos passam e dou por mim a valorizar cada vez mais o bicho fémea, sem Ismos.
Há gajas estupidamente completas, ousadas, ambiciosas, corajosas, inteligentes, sensíveis.
Basta andarmos a vaguear pela blogosfera para sentirmos que há muito mais mulherio completo do que poderia imaginar-se.
Mães que se dedicam a causas e aos filhos. Mulheres que escrevem com o coração na ponta dos dedos, sem se desligarem do seu lado racional. Esposas que esperam os maridos em viagem, ficando com os filhos. Esposas que acompanham o marido em viagens, por amor.
Mulheres que vão à luta por elas, sem motivos de amor. Mas que iriam à luta por amor, se fosse caso disso.
Mulheres que se empenham apaixonadamente numa missão, para logo a seguir se entregarem com a mesma paixão a outra coisa qualquer.
Caraças, a mulher é sim um bicho fascinante, que se atira de cabeça, sem perder a cabeça. Que rasga o coração e ao mesmo tempo estanca a hemorragia que um coração rasgado provoca.
Tenho pena de não ser tão fascinante como elas, mas admiro-as mesmo assim, muito.
Também tenho pena que haja tanto mulherio preocupado em desconstruir outro mulherio, com inveja de mulherio diferente. Pois a amizade no feminino é uma das coisas mais brilhantes que se pode ter na vida.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Choque, o horror

Então e vocês perguntam, tal como eu:
Como é que a Suíça nunca está em crise?
Todos os países na mais profunda merda e a Suíça sempre nos trinques, com malta a emigrar para lá a torto e a direito, com Alpes e flores e vaquinhas.
Durante muitos anos pensei que era por causa dos chocolates, dos relógios e do fondue de queijo.
Aquele povo tem uma sorte do caneco, pensava eu, enquanto lia as histórias da Heidi e da Abelha Maia. Sustentar toda uma economia com chocolate e queijo, é do caralhinho sim.
Por isso, hoje fiquei tão chocada com esta notícia.
Foi a queda de um sonho que acalentava desde a mais terna infância. Um sonho feito de vaquinhas roxas e brancas e de pão mergulhado em queijo a ferver.
Lacrimejei.

Foi isso e ter ficado a saber que os Estados Unidos fizeram uma cerimónia fúnebre, respeitando os rituais muçulmanos, do bicho que dizem ter morto.
Sim, eu ainda acredito no Pai Natal.

domingo, 1 de maio de 2011

Amar-vos

De tudo o que escolhi e que me escolheu. De todos os lugares que conheci e que me conheceram. De todos os dias que preenchi e que me preencheram. De todos os passos que conduzi e que me conduziram. De toda a minha vida, numa imensidão de lados que não vi, que desejei, que programei, que destinei. De todo o meu passado vão, ou repleto de sentido. De tudo o que vi e escutei. De tudo o que senti na ponta dos dedos e na carne feita de sangue do meu coração. De todas as coisas boas e más. De tudo o que sou, vocês são, irremediavelmente.
Vocês são a minha vida inteira para trás e para a frente. Do avesso e do direito.
Quero-vos tanto, quanto me cansam. Amo-vos tanto, quanto a dor do medo de vos perder.
É tudo proporcional a vocês.
Amo-vos com o amor que doi e que apazigua, com a calma enervada dos que esperaram tudo e nada.
Amo-vos completamente, até ficar vazia.
Alice e António. Os dois A's que me fazem e desfazem de amor.