sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Amor

Amarmos alguém tira-nos tanto quanto nos dá. Esvazio-me e encho-me a cada instante. Esvazio-me de mim e encho-me de ti para dar lugar a nós. É este o amor de que falam os poetas sei que é. Daquele amor que se vive, ou nos mata, que não conhece meio-termo.

As Listas de Virtudes de um Homem

Ao ver a lista de características que um homem deve ter para arrebatar uma mulher e as reacções exaltadas sobre a mesma, rio-me. Rio-me porque também eu tinha uma lista interior interminável, uma lista que não contava a ninguém, só minha e tão parva, quanto séria. Pelo menos eu levava-a bastante a sério. Caramba porque não sabermos exactamente o que encaixaria melhor em nós? Qual é o mal de nos conhecermos tão bem ao ponto de fazer um retrato robot da nossa cara metade?
Via as minhas amigas sempre à toa, cheias de será, ou não será e eu fiel à minha lista mental, aos meus princípios como gostava de lhes chamar. Sonhava com eles, revia-os em certos personagens de livros, ou de filmes e esperava.
É claro que o homem com quem casei não tem nem metade das alíneas que enumerei com tanto afinco. É claro que não me escreve bilhetes de amor todos os dias, nem gosta dos mesmos livros que eu e milhentas outras coisas que achava fundamentais para ser conquistada, mas casei com ele mesmo assim.
O que só serve para provar que as nossas listas são boas para nos situarem, para nos espelharem, para nos lembrarem que somos de uma certa forma e isso não é mau. Sei também que quem faz listas, tal como eu fiz, sabe no seu íntimo que tudo aquilo pode ser destronado a qualquer momento e não se importa nem um bocadinho com isso.
O que eu acho estranho à brava é quem leva a sério as listas alheias, por mais extensas e absurdas que sejam...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sair

Todos os dias decido que vou sair pela fresca com as crias, aproveitar bem a manhã, ir ao parque, apanhar ar puro.
Todos os dias acabo por sair depois do meio dia.
Já não sei o que é bater a porta de casa, ou bater a porta do carro sem olhar para trás. Sair sem estar sempre a olhar sobre o ombro para ver onde anda a Alice. Sair sem nada nas mãos. Sair sem destino especial.
Hoje quero ir a um Parque que abriu aqui perto dentro de uma enorme reserva natural, cheio de escadas e escadinhas e gravilha, tornando quase impossível empurrar a cadeirinha do António, mas hoje quero ir lá mesmo assim.
Queria já ter ido, mas sei que vou quando o biberon tiver sido tomado, as roupas vestidas e discutidas, os sapatos calçados e discutidos, a cara lavada, os dentes dela escovados por mim e por ela, o meu duche tomado à pressa, a minha roupa escolhida ainda mais depressa, o choro do António ignorado até que ele entre finalmente no carro, os dois bem presos nas suas cadeiras protectoras e eu bata as duas portas, a do lado dela e a do lado dele. Depois dirijo-me para o meu lugar na condução e nesse momento em que ando até à parte da frente do carro, sem escutar nada, sem nada pendurado nos ombros, aproveito para descansar...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pesadelo Fashion

Hoje acordei com uma visão dantesca na cabeça, que é como quem diz um acessório de moda dos tempos da minha juventude.
Alguém se lembra de umas bandoletes grossas com tecido que se usavam de forma desleixada sobre as melenas? As piores de todas eram umas de veludo preto, ou verde a armar ao chique.
Caramba que pesadelo. Sonhei que estava com uma dessas e com uma saia-calção no meio da rua.
Diga-se de passagem que é mil vezes pior do que aquele típico sonho em que andamos nus pelos corredores do liceu...
Tentei encontrar uma fotografia para ilustrar o post, mas só descobri as bandoletes bonitinhas que se usam agora cheias de flores e laçarotes tipo Lolita.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Balanço do 17 B

Às vezes olho para mim como se saísse aqui de dentro por uns minutos e vejo-me adulta. Sinto que sou mesmo uma mulher crescida e isso assusta-me à brava. Sob tantos sentidos ainda não me apercebi que sou mãe, que hão de olhar para o meu exemplo, para a minha história, que sou casada, que tenho uma casa onde faço o jantar quase todos os dias, onde nos sentamos à mesa e onde se respira já um certo cheiro de família.
Eu já sou isto tudo? Não, não é possível que tenha crescido tanto, ainda sou uma miúda de head phones da Sony amarelos nos ouvidos e olhar perdido no outro lado da janela do 17B.
Depois acordo e olho a roupa que tenho que dobrar e que parece crescer em proporção directa com os meus anos de vida. Acordo e sinto que já sei a resposta a montes de coisas que me perguntava durante as viagens no 17 B e que tenho outras tantas perguntas dentro da cabeça à espera de serem encerradas.
Olho o espelho e a mulher que me olha do outro lado tem já alguns cabelos brancos e dois sulcos que não estavam lá na altura dos head phones da Sony. Em contrapartida já não usa óculos. Tento fazer um balanço e não consigo, nem sei se me importa fazê-lo.
Sei que estou aqui e isso hoje é a única coisa que me importa.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Se Ficarem Muito Tempo Sem Saber de Mim


É porque a minha casa foi comida por formigas. Não vivo em África, mas além de muitas outras coisas exteriores à minha pessoa que me lembram que vivo no terceiro mundo, agora também no meu jardim lembro que estamos cada vez mais próximos desse belo Continente.
Esta coisa assustadora dá abrigo a milhões de seres insuportáveis de tamanho xxl que se aproximam perigosamente da porta de casa, como se me pusessem à prova.
Agora digam-me lá o que é que eu faço?
Se destruir aquilo à mangueirada elas atacam-me, fazem-me desaparecer em poucos segundos, estou plenamente convencida disso.
Dou-lhes com uma dose de veneno formiguento e aguardo calmamente que elas padeçam para varrer o ninho à mangueirada?
O pior é que a cada dia que passa o montinho fica mais alto. Nunca vi nenhum animal trabalhar com tanto afinco. Isto apareceu numa semana. Imaginem só o tempo que elas não levarão para se vingarem de mim...

domingo, 25 de abril de 2010

Basta Estarmos Atentos

A covinha entre o pescoço e o ombro da minha filha é onde gosto de me refugiar quando alguma coisa menos boa me toma de assalto o pensamento. Sei precisamente a medida do conforto que irei sentir assim que a abraçar e esconder o rosto ali, naquele exacto ponto de carinho. Conheço o cheirinho, a textura, o calor de olhos fechados, viajando para dentro do coração dela a cada batida que escuto.
Ele aprendeu a descobrir-me o olhar quando lhe dou o biberão e a deixar escorrer o leite pelos cantos da boca enquanto me sorri da forma mais tonta e mais adorável possível. Desperdiça o seu bálsamo alimentar só para me sorrir e eu adoro. Por muito sono, má disposição, rabugice, pensamentos negativos que estejam a alugar o meu espaço mental, nesses momentos o mundo pára e eu sorrio-lhe de volta.
Às vezes são mesmo os pequenos nadas que nos dão tudo e o tudo é fácil de alcançar. Basta estarmos atentos.

sábado, 24 de abril de 2010

não queria fazer muito barulho, mas...

O ANTÓNIO ESTA NOITE DORMIU 8 HORAS SEGUIDAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Já fiz a minha dança da vitória, já rodopiei pela casa até me sentir tonta, já dei pequenos pulinhos em pensamento, já disse yupi mais vezes do que achava possível.
Só espero que esta celebração toda não inverta a tendência. Por via das dúvidas vou ali bater na madeira e já volto :)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pessoas e Histórias do Caraças 1 - Kuki Gallmann

Toda a gente tem rubricas sobre uma coisa qualquer então eu hoje decidi copiar e de quando em quando espetar aqui com algumas histórias que me marcaram. Muitas dessas histórias deram livros, filmes, biografias. Umas serão verdadeiras, outras ficção. Mas queria deixar o registo em algum lugar para nunca me esquecer e para, quem sabe, convencer alguém a conhecê-las também e comover-se, sorrir, arrepiar-se, desejar saber mais, enfim, conseguir que alguém fique mexido tal como eu fiquei.
A primeira história que vos aconselho vivamente é a de uma grande mulher, uma mulher que me fez desejar ter apenas um cagagésimo da sua coragem. Kuki Gallman. Uma italiana que por amor decide mudar-se de armas e bagagens (filho pequeno incluído) para o Quénia e começar uma vida longe de tudo aquilo que conhecia...
Temos o livro escrito na primeira pessoa, temos o filme lindíssimo com a Kim Basinger a encarnar o papel de Kuki e quanto a mim a interpretar um dos seus melhores papéis.
Se puderem leiam, ou vejam o filme. Qualquer um dos dois vale mesmo muito a pena.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Nosso Nome Somos Nós

De todas as tradições existentes a nível familiar, penso que a de adoptar o apelido do cônjuge é a mais lixada.
Senão vejamos o meu caso:
Quis fazer como é suposto, porque nestas coisas quanto mais igual ao resto melhor, é a chamada carneirada tradicional, por isso fiquei com o apelido do Hugo. Se ele ficou com o meu? Não, isso é muito à frente para a minha cabeça retardada e ainda não há carneirada nesse sentido.
Então tive que me despedir do nome pelo qual sempre fui conhecida desde que me entendo por gente. Tive que fazer o luto do apelido que se confundia comigo, que se emaranhava na minha personalidade e me dizia que eu era filha do meu pai e isso custou-me à brava. Cada cartão que modificava, cada assinatura que escrevia, cada remetente que endereçava serviam apenas para deixar entrar dentro de mim uma gigantesca saudade do meu nome e assim começou a minha recusa em deixá-lo desaparecer.
O meu cérebro simplesmente não conseguia dissociar o meu apelido de mim e por isso ele continuou vivo, falante, assinante para os que mais me gostam e para o que realmente importa.
O mais engraçado é que sempre fui gozada na escola por este apelido tão singular. Poderia pensar-se que quanto mais cedo me livrasse dele melhor, mas não. Com o passar dos anos fui percebendo que nós é que fazemos o nosso próprio nome, nós é que deixamos as nossas próprias marcas e se quando era pequena este apelido queria dizer Pai, hoje em dia também já quer dizer Ana e isso é bom, bom demais para se perder...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que fazer quando a merda se atravessa no nosso caminho?

Hoje vi-me perante um dos piores dilemas citadinos de sempre.
Ao tentar andar com o carrinho do António num passeio onde apenas cabiam duas rodas do dito e com a Alice a querer dar-me a mão ao meu lado eis se não quando me deparo com o que parecia ser um campo angolano minado, só que as minas atravessadas no meu caminho eram cagalhões de cão.
Ora bem o que fazer? Passar ao lado dos cagalhões implicaria sair do passeio e atirar-me para a rua onde carros alucinados passavam a 90 quilómetros por hora. Passar sobre os cagalhões implicaria um ataque de histerismo da minha parte quando fosse guardar a cadeirinha na bagageira do automóvel e cheirasse o rasto de merda no interior do meu bólide. Levantar a cadeira e saltar sobre os cagalhões de mão dada com a Alice em simultâneo era número de circo.
O meu cérebro teve um achaque e gripou. Fiquei ali a olhar a merda à minha frente e a pensar como seria bom multar os donos dos cães que defecam nas ruas e mijam contra os guarda-lamas dos carros, mas a multa seria obrigá-los a engolir a comida pós digerida dos seus meninos.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Acho que estou a enlouquecer


Depois de ter dado a maior parte da minha roupa, das roupas antigas da Alice, das roupas do António que deixam de lhe servir praticamente de um dia para o outro, fui acometida de uma outra fúria. Estranha, bizarra, com laivos de obsessão compulsiva.
Caixas, muitas caixas. Tudo dentro de caixas. Roupas, brinquedos, livros. Caixas e caixas e caixas, azuis, rosas, amarelas, verdes, transparentes, do IKEA, do Continente, do diabo a sete.
Está tudo maravilhosamente arrumado. Espera lá, ficou um lego no chão, certamente há por aí uma caixa onde ele caiba sozinho. Uma caixa para uma peça de Lego.
Abro o meu armário e concluo que as duas camisolas que sobraram do ciclone que por ali passou ficavam bem melhores dentro de uma caixa com uma tampa que dá para abrir de dois lados.
Ando a arranjar maneira de meter a casa inteira dentro de uma caixa, mas ainda não encontrei a caixa ideal...

Hoje é só isto e é muito, é tudo

Religiões à parte, adoro uma frase dum Evangelho qualquer que não é nada famosa, mas para mim é dos ensinamentos mais preciosos da Antiguidade. É mais ou menos na altura da cena do dar a outra face (que detesto, não dou), e diz mais ou menos "Se um amigo te pede para andar com ele uma milha, anda duas". Acho brilhante. Poderia passar horas aqui a falar sobre esta frase.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Apelo

A quem quer que seja, que manda postais para minha casa do Canadá, dos Estados Unidos, da Tailândia, do Japão, de Cabo Verde. Aqui não mora nenhum Gil está bem?
Adoro receber as tuas palavras sempre tão queridas acerca das tuas viagens por esse mundo fora, mas tenho a certeza de que não são dirigidas a mim e morro de pena de te imaginar sentada numa esplanada de caneta e postal sobre a mesa a fazeres um tremendo esforço para resumires naquele pedacinho de cartão as tuas ricas experiências ao Gil e no final das contas é a Ana C que te lê.
Não sei se ele te deu a morada errada, se é um grande traste e te mentiu, mas risca esta morada do mapa e parte para outra, pode ser?
Boa viagem para ti e continua com esse espírito aventureiro.

Espelho Meu, Blog Meu, Há Alguém Mais Bonito do que Eu?

Nas minhas deambulações pela blogosfera dou muitas vezes de caras com espelhos de egocentrismo e de falta de humildade gritantes em forma de blogs.
Depois de ver mulheres sem cabeça, exibindo as indumentarias que envergarão nesse dia, de peito cheio e carregadas de conselhos para dar a todas que por lá passam a elogiar, clico na cruzinha no canto superior direito e fujo para outras paragens menos vazias.
Respiro fundo e penso quanto do meu tempo eu estaria disposta a gastar para me fotografar antes de sair de casa todos os dias, só para que pudesse publicar-me num blog e ouvir os elogios subsequentes, aniquilando quem se atrevesse a discordar com o tom do sapato, ou com outra coisa qualquer.
Cada um faz o que quer do seu tempo obviamente, mas caramba que pontapé na cabeça que é olhar para aquilo, pelo menos na minha.

domingo, 18 de abril de 2010

A Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata e Eu


Hoje de manhã muito cedo consegui o melhor momento dos ultimos meses e não foi preciso quase nada.
O António adormecido na nossa cama com o Hugo, torradas com manteiga partilhadas com a Alice e uma caneca de café na mão.
Subimos até ao quarto dela, onde aterro no puff de livro em punho. Enquanto a minha filha constroi um hospital de legos, eu viro as páginas deste título maravilhoso e perco-me como já tinha saudades de me perder.
Ela parece que percebe e não interrompe, continua na sua cantilena, enquanto empilha os legos, satisfeita só com a minha presença. Eu leio e leio e leio, como já não o fazia há demasiado tempo.
Foi bom voltar a sentir-me viva através das páginas que outros escreveram. Foi bom ter agarrado num livro em vez de ter ligado a televisão. Foi bom ter vencido a preguiça.
O António choraminga, o Hugo aparece na soleira da porta, a Alice pede-me que brinque com ela. Fecho o livro marcando a página onde fiquei e peço-lhe em pensamento que me chame de novo até que a última página seja virada por mim.

sábado, 17 de abril de 2010

O meu jeitinho para os acessórios

Depois de ter despejado 90% do meu armário e de todos os roupeiros aqui de casa, numa fúria primaveril, vi-me sem roupa. Sem grande vontade de gastar dinheiro enquanto a minha forma física não progredir, mas altamente necessitada de uma carteira nova que desse para pôr a tiracolo, decido comprar uma na Zara. Sem a experimentar venho toda contente a cantar trá-lá-lá-lá olha que bela compra por 30 Euros, trá-lá-lá, olha que bom aspecto que ela tem, trá-lá-lá, já vou poder carregar com trezentas tralhas nas mãos à vontade sem me preocupar com a carteira que me cai.
O que me esqueci de ver foi o maldito comprimento da alça de pòr a tiracolo. Basicamente posso saltar à corda com ela. A bosta da malinha da Zara bate-me nos joelhos e só consigo afastá-la a pontapé.
Quis facilitar e poupar e consegui comprar um acessório de moda que me prega rasteiras, enlaçando-se-me nas pernas.
Caramba estou mesmo lixada.
Se tivesse tempo até me fotografava a mim própria sem cabeça é claro algures aqui em casa com a malinha a bater-me nas canelas.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O Que Sonhei Para Mim

Se há uns anos atrás me dissessem que iria estar aqui onde estou hoje não acreditaria.
Nunca fui daquelas mulheres cuja missão de vida era ser mãe. Sempre me imaginei a escrever para uma revista, a fazer reportagens por esse mundo fora, de computador no colo e máquina fotográfica em punho.
No Trans-Siberiano, ou numa qualquer embarcação perdida num rio recôndito. Na base de uma pirâmide no Egipto, numa Gôndola em Veneza, numa ruína Maia.
Escreveria em qualquer lugar sobre o que via, o que sentia, quem conhecia. Escreveria sobre qualquer coisa que me pedissem, em qualquer tom que me exigissem, sem nunca me perder mais do que o necessário, de forma a poder sempre encontrar-me de novo, de cada vez que regressasse a casa.
Tirei Direito quando a minha vocação era a escrita e sou mãe a tempo inteiro.
Escrevi algumas novelas, um livro, ajudei numas séries. Escrevo aqui todos os dias. Mas nunca fiz o que realmente queria.
Sempre que olho os meus filhos sei que tudo valeu a pena, que tudo serviu para chegar até ao Hugo e até eles e que sou verdadeiramente abençoada.
Mas aquela vida que sonhei desde sempre continua no lado de dentro de mim, naquele lado que ninguém vê, na sombra e essa sombra volta de vez em quando para me atormentar, para me fazer sentir pouco lutadora. Menos eu.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

É Só a mim?

Porque é que sempre que quero comprar alguma coisa, desde a máquina da loiça, a um pirex, a um resguardo de colchão a vendedora tem exactamente igual em casa e adora, está super satisfeita?
É só a mim? É que sinceramente começo a pensar que elas têm uma casa igual à minha por fora e por dentro algures por aí...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Hoje

Hoje gostava de ter coragem para concretizar, para passar do papel para a vida real, para ir atrás do que me preenche de verdade.
Mas chega sempre esta inércia, como uma onda que me bloqueia e penso que não consigo, que não movo montanhas nenhumas além das interiores que se mexem e remexem todos os dias.
Tenho dentro de mim tanta coisa e no entanto tão pouco é de facto real.
Hoje sinto-me dona do mundo, mas de um mundo onde não vivo de verdade e isso não me deixa sossegar.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Não Gosto...

Não gosto que me digam Obrigadinha, nem Adeusinho, pois acho sempre menos do que mereço. Também não gosto que me atirem o troco para cima do balcão, tal como não gosto de pousar o dinheiro sobre o balcão, quando há uma mão do outro lado.
Cada vez gosto menos de beijinhos encharcados na bochecha, principalmente quando são de pessoas que acabo de conhecer e cuja saliva fica a queimar-me a cara até poder limpá-la com as costas da mão.
Não gosto da palavra miga, em vez de amiga, pois lembra-me sempre migas de bacalhau.
Não gosto que finjam que não me topam na rua, quando é mais do que óbvio que me viram.
Não gosto de pessoas que falam sozinhas na rua com o auricular do telemóvel escondido sob os cabelos e gesticulam furiosas como se estivessem a falar comigo, pois assusto-me sempre.
Não gosto de javardos ao volante. Não gosto de javardos ponto.
Não gosto de pessoas que andam sempre a queixar-se, mas também não gosto de pessoas que nunca se queixam, pois fazem-me sentir mal comigo mesma.
Não gosto de pessoas chatas, nem de pessoas que não me entendam à primeira, nem à segunda.
Também poderia escrever sobre aquilo que gosto, mas hoje estou assim.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Quando eu Bater as Botas

Cada um tem a sua visão da morte. Cada um a imagina à sua maneira, uns escudados numa qualquer religião, outros sem nada além de um grande espaço vazio à sua frente.
Uns dizem também de forma idílica que não gostariam de ser chorados, nem de ver lágrimas derramadas à sua partida. Querem sorrisos, não querem deixar saudade, mas apenas boas recordações.
Ora que me desculpem os que pensam assim, é de facto bonito e em teoria ideal, mas porra eu cá ficaria extremamente lixada se lá de cima, ou lá debaixo visse que ninguém derramava uma, uma lágrimazinha que fosse à minha partida, se não deixasse nem um bocadinho de saudade aos que cá ficassem e se a malta toda se pusesse a sorrir no meu funeral.
Seria caso para gritar de onde quer que estivesse:
Ó malta, sim ó vocês que me conheciam?! Isso mesmo. Querem umas cebolas para esfregar nos olhinhos? Vão-se lixar sim?

SMS

O que é que se passa com as pessoas hoje em dia que só comunicam por mensagem escrita?
Pessoas adultas, maduras, já com idade para terem juízo. Escrevem verdadeiros testamentos com os botõezinhos do telemóvel, de língua de fora, concentradíssimos, à mesa do jantar, no carro, em andamento, na fila do supermercado.
E depois exigem resposta pela mesma via. Não atendem quando se lhes quer responder pela via mais rápida e antiga, que é como quem diz, com a voz.
Também funciona quando não se quer aturar alguém, mas fica mal não perguntar como está a recuperar da cirurgia, então escreve-se uma mensagem a perguntar, limpando assim o sentimento de culpa.
Desejar parabéns por escrito também é o último grito. Para quê ligar de viva voz, quando se pode despachar aquele incómodo com letrinhas?
Para quê dialogar quando se pode monologar até ao infinito com um aparelho de telemóvel?
E aquelas maravilhosas mensagens de Natal, de Páscoa, de Passagem de Ano que se enviam a 100 pessoas ao mesmo tempo?
Tenho para mim que é o último grito em cobardia emocional. É mais prático desejar os pêsames por sms. Não tenho que escutar o tom de voz. Não tenho que enfrentar a tristeza do outro, confrontar-me com a desgraça alheia, nem chatear-me muito se o outro decidir lamentar-se do outro lado da linha.
Sinceramente prefiro que me escrevam uma carta.

sábado, 10 de abril de 2010

As Mil e uma Maneiras de os Desculpar

Adoro ouvir os pais de criancinhas mal educadas quando tentam à força toda desculpar o mau comportamento dos filhos, arranjando adjectivos rebuscados para adocicar a realidade, senão vejam a lista que já consegui reunir:
- Ele tem uma personalidade muito vincada.
Tradução:
- Nunca nos obedece, é uma mula.
- Ele sabe muito bem aquilo que quer.
Tradução:
- Enquanto não conseguir aquela barbie tropical vai continuar a gritar e espernear no chão da loja, porra para este puto que me enlouquece (neste caso é um puto que gosta de barbies).
- Ele preza muito as suas coisas.
Tradução:
- É um puto egoísta a toda a força, não empresta nem o papel higiénico depois de o ter usado para salvar a vida da mãe, diz que é dele.
- Ele é indomável, gosta da sua liberdade.
Tradução:
- É pior, mil vezes pior que um animal selvagem à solta dentro de casa e nós temos medo que nos morda se lhe dissermos para não mexer no plasma.
E podia continuar a noite inteira, mas a preguiça instalada impede-me...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Não, eu não estou a galar-te

Numa entediante fila de carros, olho pelo retrovisor e vejo quem me parece ser um primo do Hugo no carro atrás de mim. Mas será que é mesmo? Deixou crescer a barba? Hmmmm. Tiro os óculos escuros para ver melhor, cerro os meus olhinhos num antigo hábito de míope, analiso o homem ao detalhe. É mesmo parecido caramba, só pode ser ele, mas está mais gordo, parece um porco inchado, caramba ele era assim tão feio?
Estou eu nesta estupidez quando o gajo decide tirar os óculos escuros e, sim pasmem vocês e pasmo eu, piscar-me o olho.
Ai que vergonha, que pesadelo logístico, o que fazer, onde me enfiar, viro o espelho para baixo, volto a pôr os óculos escuros, ultrapasso os carros todos em contra-mão? Optei por escorregar no banco até desaparecer.
Pensou que estava a fazer-lhe olhinhos. Como é que posso ser tão ursa e esquecer-me que os carros atrás de nós também nos topam pelo nosso retrovisor?
Não, não era o primo do Hugo, mas era certamente alguém que ficou um bocadinho mais convencido hoje. Fiz uma boa acção.

Mulheres Diferentes Mães Diferentes

Da mesma forma que as mulheres são diferentes entre si também as mães andam muitas vezes a quilómetros de distância umas das outras. Erradas? Não, diferentes.
Outro dia no café de aniversário da Melissa reparei em pelo menos 5 mães completamente desiguais, eu incluída.
À minha frente duas grávidas. Uma delas não sabia que o António tinha que "viajar" no ovo, aliás acho até que ela não sabia ainda que raio de coisa era aquela que eu levava encaixada na cadeirinha. O oposto das mães que já decoraram os catálogos de puericultura inteiros no segundo mês de gravidez.
Outra grávida já mãe de uma criança pequena (pelo que entendi) toda inteirada da sua condição, exibindo a rotunda barriga e agarrando no bebé da Melissa deixando-o andar sobre a mesa. O género de mãe que tem coragem para engravidar de novo com um bebé pequeno em casa a remexer em tudo, eu gosto de chamar mãe descontraída, ou mãe sueca.
Depois olhei mais para o fundo da mesa e vi a mãe tranquilidade. A pequena bebé que levou consigo berrava em plenos pulmões e ela sorria, impassível, limitava-se a abanar ligeiramente o carrinho, apesar de nada daquilo surtir efeito. Daquelas mulheres que nasceram para ser mães, que nunca stressam em circunstância alguma e cuja vida depois dos filhos é um eterno mar de plácida felicidade.
A Melissa estava em choque pela bronquiolite do Gabriel e analisava os prós e contras de uma vida inteira, dividida entre vários sentimentos que se degladiavam no seu interior.
E eu que ainda não sei analisar-me muito bem como mãe, pelo menos mãe no plural, mas que gosto de fazer tudo com calma e ao mesmo tempo ter tudo feito a tempo, o que muitas vezes não se compatibiliza com o estado de espírito das crianças.
No meio de tudo isto pensava. Caramba como somos mesmo todas diferentes e como isso pode ser incrivelmente bom, desde que não desatemos a impôr a nossa forma de agir e a comparar percentis de desenvolvimento infantil umas com as outras.
Quando conseguimos harmonia numa mesa cheia de gajas acho que há motivos para sorrir.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Meu Querido Corpinho

Hoje é dia de ir vacinar a Alice e o António e não sei se por causa disso, se pelo Hugo estar todo entrevadinho das costas e não se levantar de noite quando o bebé acorda, sinto que cheguei ao meu limite físico. O meu corpinho resistiu a nove meses de gravidez com um gigante no seu interior, 5 dos quais sem dormir mais de duas horas seguidas, uma anemia pós-parto, dois meses e qualquer coisa a acordar de 3 em três horas e durante o dia a ouvir chorar quando paro de abanar a espreguiçadeira.
Tenho momentos em que adormeço mesmo quando estou a falar com alguém e outros em que não sei se estou a sonhar, ou acordada. Entre tudo isto tenho que fazer de conta que estou estou mais ou menos porreira para a Alice continuar a acreditar que estou viva e oiço efectivamente o que ela me diz.
Enfim meu querido corpo, obrigada pelo esforço, aguentaste bastante sim senhora, sem RedBull, sem choques eléctricos que te estimulassem, nada além da cafeína. Agora chegou a hora de cederes, desmaia-te para aí, esconde-te debaixo do tapete, finge que gripaste, mas ir vacinar os dois não que tu não te aguentas.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Diz que é Metro e que também é Sexual

A sério que há mulheres que acham piada quando o marido sai para a manicure porque as cutículas estão um desastre?
A sério que há mesmo mulherio que se sente atraído por homens que vão fazer hidtratação ao cabelo, que esfregam creme nos cotovelos, compram pochetes Louis Vuitton ou fazem esfoliação de rosto uma vez por semana?
Jurem?
Não sou tão das cavernas que ache que um homem se deve esfregar com palha de aço e sabão azul e branco, mas se apanhasse o Hugo a hidratar os cotovelos na casa de banho, qualquer coisa dentro de mim morreria, disso não tenho a menor sombra de dúvida.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Coragem debaixo de água


Sozinha em casa. A Alice (minha ajudante principal nestas coisas do banho) em casa da avó a arejar a mona. Decido gozar o banho do António a dois. Eu e ele com as minhas canções absolutamente estúpidas, os meus cuchi-cuchis mais melosos do que o normal e um olhar embevecido de parte a parte.
Viro-o de barriga para baixo, a posição que ele mais gosta quando está de molho e toca de dar aos pés. Parece que tem duas barbatanas incorporadas de tanto espernear na brincadeira.
- Olha o meu sapinho, chapinha, chapinha. - As coisas ridículas que saem da boca de uma mãe que se apanha sozinha são do pior.
Estou eu neste mel todo quando começo a ouvir o que parecem ser as Cataratas do Niagara dentro da casa de banho, mais precisamente sobre os meus pés.
- Mas que raio?
De tanto chapinhar o António conseguiu a proeza de tirar a tampa do ralo. Só tenho tempo de enfiar o dedo no mini-ralo e estancar a potencial inundação caseira. Os meus pés já estão submersos. Com uma mão seguro o António e com a outra mão tapo o ralo. Não vale a pena gritar por socorro. Calculo quantos litros leva uma banheira daquelas, chapinho com os pés gelados na piscina que se formou na casa de banho.
- Os cuchi-cuchis dão lugar a merdas e porras. E o cenário idílico a uma catástrofe natural.
Procuro a tampinha com o olhar esgazeado, mas não a vejo sob a espuma. O meu dedo no ralo começa a apresentar sinais de fadiga, tal como o António que desata no seu berreiro habitual.
Num gesto de coragem heróica tiro o dedo e com a mão livre procuro a bosta da tampa. Quando finalmente a encontro e espeto com ela no ralo, já só sobra meio litro da água dentro da banheira, o resto está a inundar a casa de banho.
Como sou uma gaja super cool ainda arranjo sangue frio para vestir o António enquanto lavo o pézinho no Oceano Atlântico do Wc.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ora dá Cá o Pé




Diz que estes sapatos são inspirados no pézinho dos Massai, que quem anda com eles trabalha os glúteos, que é como quem diz a bela da peidola, que melhora a postura lombar e tira muitas das dores relacionadas com o dorso. Diz que estes sapatos fazem tudo pelo nosso corpinho. Tonificam, emagrecem, endurecem. Só lhes falta falarem connosco, ajudando-nos a nível psicológico.
É claro que como típicos criadores de sapatos amigos do pé enveneraram-nos a nível estético. Ai doi-te as costas? Queres perder centímetros de rabo? Ora então toma lá e anda com estes tanques de guerra na rua. Podes ter a certeza que te arruínas a nível social e do engate, mas ficas sem o rabo gordo em poucos meses.
Haviam de me pagar para andar com uma coisa destas nos pés, chiça que pavor do design de chulé.

domingo, 4 de abril de 2010

2 Meses Comigo

Comigo nunca aconteceu como diziam as outras mães que acontecia.
Comigo não chegou de rompante bem na sala de partos, nem nos dias seguintes como uma luz, um fenómeno paranormal.
Comigo não foi tiro e queda como sempre ouvi dizer que era.
Comigo foi entrando de mansinho, em surdina, pé ante pé, com bastante timidez, até um dia acordar e perceber que estava tomada, irremediavalmente tomada de amor.
Tenho esta parte estranha no meu coração que nunca se deixa surpreender por nada, mas que já bateu e parou, acelerou e desacelerou vezes sem conta, principalmente por razões de amor, principalmente pelos meus filhos (e como ainda é estranho falar no plural).
Fui aprendendo mais de ti ao longo dos dias, uns atrás dos outros, sem pressa, como uma maré que enche cheia de vagas. Fui amando mais de ti a cada olhar, a cada toque, a cada som, a cada sorriso.
Fui amando mais de ti a cada choro, a cada banho, a cada passeio, a cada colo.
Fui amando mais de ti até saber que já és o ar que respiro, que já não sei chegar a casa e não te sentir, que já não concebo o meu quarto sem as tuas pequenas mãos que se agitam quando escutas a minha voz.
Fui amando mais de ti com uma única e absoluta certeza, a de que este amor não tem retorno possível, é o amor de uma vida inteira, enchendo até as páginas do meu passado, de todo o tempo antes de ti, que agora não faz o menor sentido.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Entre o Começo e o Fim


Sempre gostei de imaginar o meio dos algarismos inscritos nas campas.
"Entre o começo e o fim" é como chamo a tudo o que viveram os que repousam ali naqueles lugares de culto.
As frases inscritas na pedra, tentando perpetuar sentimentos. As fotografias gastas em que se vislumbram rostos sorridentes, nostálgicos, jovens, velhos.
A minha imaginação voa de cada vez que passo os portões de um cemitério e sinto desde a ponta dos dedos ao mais fundo de mim, todas as vidas que terminaram ali de uma forma absolutamente avassaladora.
Sei que já ali não vive nada, mas o peso dos que ficam cobre tudo de uma forma única.
O cemitério onde senti maior simbiose entre a vida e o final dela foi aqui na Cornualha (St. Ives).
A natureza que nos engolia os sentidos, o cheiro a mar salpicado de verde acalmavam certamente os que haviam perdido alguém naquele lugar.
E pensei como todos os sítios de repouso deveriam ser exactamente assim, sem necessidade de flores sobre as lápides, pois tudo em redor delas era uma homenagem, um convite à lembrança serena, à reflexão, àquela saudade de sabor agridoce.
Lembro-me perfeitamente de me ter sentado ali e de não ter experimentado nenhuma das sensações pesadas dos outros cemitérios rodeados de muros de cimento, de jazigos, de flores plastificadas. Aqui tudo estava no seu devido lugar e a morte essa tenebrosa inimiga, sentida como parte da vida.

*Completa e absolutamente inspirada por este texto.