terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não há Natais Perfeitos

Não há Natais perfeitos.
Ou porque perdemos alguém e o Natal limita-se a lembrar-nos de forma dolorosa a ausência física de quem partiu, arrancando, sem escrúpulos, nem contemplações a crosta que já se tinha formado sobre a ferida.
Ou porque nunca tivemos Natais felizes e buscamos sempre o Natal que nunca conhecemos e, no final, sentimos sempre uma espécie de vazio por a consoada não ter correspondido aos nossos sonhos.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque insistimos em organizar tudo sem mácula e corresponder às expectativas de todos, menos às nossas.
Ou porque nos limitamos a seguir na maré do que é suposto sentir nesta ocasião e culpamo-nos por nunca sentirmos nada do que é suposto sentirmos.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque há gritos, choro e nada das pacíficas noites dos cartões postais que habitam no nosso imaginário.
Ou porque há demasiado trabalho e pouco prazer para alguns de nós e muita preguiça para outros tantos.
Ou porque há mais egoísmo do que sentimentos de altruísmo, ou porque há mais stress do que pacíficas ondas de prazer.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque exigimos demasiado, ou porque achamos que nada há que exigir e fugimos para praias, em busca do Sol e de tudo o que nos faça esquecer que é Natal na vida dos outros, ou porque isto, ou porque aquilo.
Assistimos às fugas constantes de pessoas que preferem tentar ignorar que é Natal e a outras tantas pessoas que tentam à viva força que durante uma noite tudo seja diferente, só porque é Natal.
É o aniversário de alguém que nasceu há mais de 2000 anos e que transformámos em Pai Natal, presentes, bacalhau e rabanadas, mas não faz mal, não tem de fazer mal, nós é que somos culpados por nos culparmos tanto.
Vamos perdoar-nos acima de tudo. Aquilo que sentimos é apenas aquilo que sentimos, sem grandes leituras, nem dramas.



*O meu desejo para este Natal é apenas um: Alguém que me prepare um Mulled Wine.
É que vi no Jamie Oliver e fiquei com desejos de Natal. Por mim, ficar sentada a assistir à confusão, com uma caneca destas na mão está ok, ok?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O milagre da primeira paixão


Já tem 8 anos, mas nunca lhe conheci um fervor apaixonado pela leitura, nem livros terminados em poucos dias.
Sempre leu, tal como sempre gostou de ouvir uma boa história, mas até agora nunca a vi ficar com a luz acesa até mais tarde por causa de nenhuma história e acreditem que já experimentei de tudo.
Nunca desisti, pois sabia que, quando menos esperasse, acabaria por tropeçar numa história que a prendesse de forma irremediável.
E, há cerca de duas semanas, sucedeu o milagre.
Foi um livro dos Cinco? Não.
Foi um livro de Uma Aventura? Não.
Foi qualquer uma das minhas 1385 tentativas literárias anteriores? Não.
Foi este pequeno milagre chamado Avozinha Gângster e ouvi-a gargalhar, chamar-me para partilhar uma página, teimar em não desligar a luz, levar a avozinha para todo o lado.
Vi-a chegar a casa e pegar no livro de capa dura, atirando-se para cima do sofá, mas não para ver televisão. Ela ia para a sua história e eu enchi-me de uma alegria imensa, por vê-la apaixonar-se pela primeira vez. O seu primeiro amor literário.

Ontem, passado pouco mais de 10 dias de o ter começado, chamou-me ao quarto feliz e triste em simultâneo.
Acabei, mãe! Mas e agora, o que é que eu vou ler?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Tema Recorrente

Selfies com beicinho XL e o pinheiro de Natal iluminado em pano de fundo, de preferência legendadas na língua de Sua Majestade.
Fotografias de uma vida cheia de filtros perfeitos onde nada está fora do lugar, ou quando está é numa espécie de desordem estudada.
Citações que estão na moda citar, mas que ninguém realmente entende, apesar dos suspiros infindos que provocam.
Pessoas que se refugiam no humor para insultar, mas que não têm uma vaga ideia do que é brincar com uma situação, sendo que precisariam de workshops intensivos, desses que se dão de escrita criativa, para começarem sequer a penetrar nos caminhos da jocosidade ligeira.
Estou cada vez mais cansada do mundo dos telemóveis espertos que tudo notificam, que tudo avisam, que tudo dizem, incutindo em nós uma sensação ilusória de partilha permanente de coisa nenhuma.
Farta que não saibamos já viver sem sermos vistos, calarmos opiniões quando não as temos, remetermo-nos ao silêncio da nossa ignorância, quando o silêncio é de facto a única coisa que nos ocorre dizer.
Não temos de saber sempre tudo, de mostrar sempre tudo, de opinar sempre sobre coisa nenhuma.
É preciso descansarmos um pouco de nós e dos outros, mas parece que não dá. As notificações não deixam, a falta de likes angustia, a existência congela a menos que a partilhemos com centenas de outros existentes neste planeta virtual e assim andamos todos. Acompanhados, mas mais sós do que algum dia estivemos.
E agora façam like pelo amor de Cristo :)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Escrever

"Mas quero também a solidão do escritor, a sós com a sua responsabilidade. Não quero a torre de marfim nem uma vida de ausência e alheamento, mas quero e preciso da solidão, do silêncio, do meu ritual, do meu tempo. Porque não há nada de leviano no acto da escrita. Boa ou má, ela precisa de quem a respeite, de quem a compreenda. Escrever é viver intensamente e depois desligar-se intensamente. É um farol que varre o mar, alternando a luz com a escuridão, a presença com a ausência"
(...)
"Eu não sei dizer: sei apenas olhar e sei que, olhando, olhando sempre, vendo o que merece ser visto, eu hei-de escrever"


MST-Não Se Encontra o que Se Procura

É por isto que o Miguel Sousa Tavares me torna cativa daquilo que escreve logo nas primeiras linhas e que detém um dos primeiros lugares no pódio do meu coração de leitora, que emudece sempre no instante em que começo a lê-lo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

chuva

Chove. O céu escuro, o som da água no chão, nas paredes, no telhado, no mundo inteiro.
Chove e o negro do dia não passa por dentro. Queremos que a noite chegue depressa, para podermos fazer da chuva apenas um som acolhedor, sem termos realmente de lidar com ela, mas a noite demora a surgir, talvez porque pareça sempre de noite quando chove.
Quero tê-los todos por perto, debaixo do céu da nossa casa. Ele segurando a ponta da minha meia grossa, ela no piano, a treinar melodias pequenas que nos enchem de vida, o mais pequeno a querer interrompe-la para nos mostrar que também é digno de atenção.
Chove e eu digo que devo aproveitar a vida, o trabalho que, apesar de cada vez mais desgastante, tem coisas boas. Chove e eu tento encontrar o sol atrás das nuvens, o calor escondido sob o vento forte que nos derruba, as folhas ainda verdes que pingam, vergadas ao peso da chuva. Chove e eu tento encontrar a puta da magia por detrás de tudo, a beleza implícita, como mandam as frases de motivação que tanta gente partilha, mas há dias em que a chuva é apenas uma sucessão de tons de cinzento. Uma merda.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

contenção desabafada

Gosto muito de escrever. É certo que não sou daquelas pessoas cheia de caderninhos, escrevinhando freneticamente todas as angústias pessoais a uma mesa de café, quase nunca encontro uma caneta à mão e não coleciono diários encadernados de viagem (infelizmente, claro), mas sempre consegui organizar-me melhor escrevendo do que falando. Só que, ultimamente, ando contida.
Desperdiço menos palavras escritas, falo menos e reservo-me o direito de não emitir opiniões sobre tudo.
Provavelmente é apenas uma fase, despoletada por muitos meses a viver profissionalmente da escrita, sem férias, nem interrupções, ou ocasionada por muitas leituras erradas daquilo que escrevo.
Também já aprendi a não julgar-me tanto, quer dizer, aprendi a tentar não julgar-me tanto e aceitar que tenho fases de baixa gestão mesmo. Fases em que me apetece recolher-me num canto do sofá a ouvir apenas coisa nenhuma.
O silêncio é cada vez mais essencial na minha vida, pois o ruído de todos os que têm sempre algo a dizer, a partilhar, a fotografar, a criticar enche-nos a vida por todos os lados, fazendo com que esqueçamos que é importante ficarmos calados de vez em quando.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Palco

Com o maravilhoso advento da virtualidade chegaram centenas de coisas boas, mas, como em tudo, vieram também centenas de coisas menos boas, como a possibilidade de oferecer palco a oligofrénicos, retardados, frustrados, carentes, ressabiados, patéticos, enfim, todo um mundo de seres que desconhecíamos até então e que, não tivessem eles a hipótese do palco do mundo virtual, andariam certamente a tirar bedum das unhas dos pés com uma faca romba, enquanto apreciariam uma vida plena de um vazio impotente.
Portanto, face à falta de quem escute as suas pérolas eruditas dentro das suas vidas reais, buscam incessantemente rumo para a sua existência em caixas de comentários, vomitando as suas fezes verbais em fóruns, blocos noticiosos, páginas, blogues e afins. E todos, mas rigorosamente todos eles, os que buscam as luzes de uma ribalta forçada, têm uma opinião a dar sobre um assunto qualquer, por mais inusitado que seja.
Se existe uma notícia de alguém que morreu ao tentar produzir uma porca revolucionária para uma roda de triciclo, poderemos contar com centenas de sedentos do palco, opinando, comparando, julgando a qualidade da porca em questão e jurando que fariam melhor.
Resta-me o consolo de imaginá-los já noite alta, e depois de fazerem um "Postar Comentário" em mais uma notícia, ou fotografia partilhada, afastando-se em direcção à cama romba, que chia ao seu contacto, pousando os cabelos sebosos na almofada forrada a flanela puída e escutando o silêncio ruidoso de uma vida solitária.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Begin Again




A música tem o poder de nos elevar, de nos resgatar, de nos comover, unir, fazer sorrir, correr de emoção, ou simplesmente fechar os olhos e viajar até onde escutámos pela primeira vez aquela canção em particular. A música sempre fez parte da minha vida e partilhá-la com alguém é das emoções mais fortes que podemos ter.
Não concebo a minha vida sem música e este filme é uma das melhores e mais sensíveis homenagens ao poder da música nas nossas vidas.
Agora restam-me mais trezentos filmes para ir ver´, a começar pelo do meu querido Clint Eastwood, mas o tempo, meu deus, o tempo para nos dedicarmos àquilo que nos dá prazer, onde é que ele está?


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os Oprimidos

Podia ser o título de um filme de época, cuja história se desenrola na altura da revolução industrial, mas não. É simplesmente o título que melhor define a forma como andamos todos neste país de merda.
"Não estás contente, há quem queira o teu lugar", "achas que ganhas pouco, mas há quem não ganhe nada", "tens sorte por ter um trabalho, porque é que te queixas, seu mal agradecido?".
Então quem se queixa é ímpar na sua ingratidão, quem se queixa é mandrião, quem se queixa é revolucionário, quem se queixa está a pôr a sua cabeça a prémio e a abrir lugar a uma fila de pessoas prontas a não se queixarem.
E é de mordaças que travam a língua, cordas que ferem os pulsos, vida medíocre de árduo trabalho e pouco salário que é feito o dia a dia de milhões de portugueses resignados com a sua sorte.
Úlceras progridem a galope nos estômagos tugas, sapos crescem atingindo dimensões profundamente indigestas, revoltas processam-se em organismos cansados de engolir afrontas, mas prosseguem os patrões em carros de grande categoria, levando vidas de grande ostentação, sob o olhar atento do trabalhador explorado.
Há também aquela classe de elite de entidades patronais que julgam função e obrigação do trabalhador pedir que seja pago o ordenado a tempo e horas e que ficam afrontados caso lhes seja pedido com docilidade o dinheiro a que se tem direito.
E é assim que caminho a passos largos para abraçar o Marxismo, só para abanar um bocadinho o sistema instituído. Depois deixo.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Para Vocês

Aos resistentes que ainda param aqui de vez em quando, aos não resistentes e aos aleatórios. A todos:
Apareçam, estarei à vossa espera.



sexta-feira, 5 de setembro de 2014

aceitação

A última vez que falei com o Sérgio (a quem dedico também o meu livro e que partiu também com cancro)estava em pânico por causa da minha timidez crónica e falta de jeito absoluta para defender aquilo que faço em voz alta. Tinha de ir falar sobre o livro a uns programas, tinha de falar no lançamento do livro e andava com uma séria congestão nervosa, a caminho de uma desinteria crónica.
Ele disse-me apenas que quando estamos seguros daquilo que fizemos o medo fica bem mais submerso.
E acho que é isso.
O truque é pormos sempre tudo de nós naquilo que fazemos e sentirmos orgulho no nosso trabalho, seja a escrever cenas lamechas de telenovela, cenas cómicas de série, livros onde abrimos a parte de dentro do coração.
Ele tinha razão e não foi apenas por já não estar aqui que lhe atribuo uma conveniente aura de sapiência súbita.
Há pessoas mais sensatas do que outras e por vezes precisamos apenas que sejam sensatos por nós.
É estranho isto da passagem do tempo. É como se fossemos várias caixas que vão sendo abertas ao longo dos anos, como se fossemos nós, mas sem sermos já nós. Não é mau ficarmos diferentes, é apenas humano e é isso que temos que aceitar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Viagem ao Fim do Coração

Se quiserem, ou tiverem a dose de paciência necessária para fazerem um Gosto na página do meu livrinho, força. Se não quiserem eis que vos envio força também.
É o livro que prometi à Rita/Silvina, dos Episódios de Rádio. A minha forma de lhe piscar o olho e de lhe garantir um pequeno pedaço de eternidade.
Não é a história da Rita, mas é uma história para a Rita. É que dentro de mim ninguém morre.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Queria dizer tanta coisa



Sobre cancro, irmãos, solidão, desamor, esperança, perda de esperança e amor de novo; falta dele, excesso dele e a medida certa desse sentimento que nos rege a vida inteira, quer por o termos, por nos sufocar, por não o conhecermos, por entendermos que não o merecemos.
Acho que o disse no meio das linhas que em breve vos pertencerão e agora simplesmente não consigo falar sobre isso.
O mesmo problema de sempre: Escrevo e deixa de me pertencer. Mas um dia ainda me dirão que tudo isto acontece a todos.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

S.O.S Patriotismo em Crise

Regressada de uma merecida viagem de três dias a uma capital europeia (já lá vai mais de um mês, mas pronto), concluo mais uma vez que só quem não viaja muito pela Europa é que é capaz de achar Lisboa a primeira maravilha do velho Continente.
Ainda temos um longo, para não dizer interminável, caminho pela frente até chegarmos aos calcanhares da maioria das capitais europeias, ou até mesmo das cidades periféricas e terciárias de outros países da Europa.
Andar a pé por Lisboa ainda é uma experiência de sobrevivência para mim. Sobrevivência ao mau cheiro, à merda no chão, à falta de espaço para peões, à sujidade entranhada, às esplanadas de plástico a dizerem sumol.
Andar por Lisboa ainda tem muito mais de cansaço do que de descontração.
E, apesar de existirem já vários sítios que fazem concorrência séria a estabelecimentos de qualquer outro país, a maioria das zonas de Lisboa é uma valente merda e sinto-me num esforço constante por achar bonito, completo, ao melhor nível, quando não deveria ter de ser um esforço.
Tenho a certeza de que quando os meus roteiros de viagem se alterarem para outros países a sul do Deserto do Saara, a minha perspectiva se alterará e regressarei a Lisboa e ao aeroporto da Merdela (mais conhecido por Portela) de lágrimas comovidas na fronha. Até lá, e peço desde já desculpa aos patriotas mais sensíveis, somos uma rebarbada merda.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

com tanta coisa que inventam

para quando uma incubadora para o nosso próprio cérebro?
Ficaríamos de fora, a vê-lo recuperar de prematuridades e reacções tardias, velando pelo seu repouso, mas sem neurónios em funcionamento que nos retirassem do estado de total esvaziamento.
Nós numa cadeira de balouço com zero pensamentos, descansaríamos dele.
Ele na incubadora a descansar de nós.
O idílio.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O Bovino Gado do tudo incluído

Pensei que vir dois dias para uma destas coisas com pulseirinha e tudo incluído me descansaria de todas as maleitas e cansaços rotineiros e me faria renascer enquanto ser divino que sei que sou. Vai daí considerei séria e filosoficamente a hipótese e reservei dois diazitos desta coisa de pulseira e descanso de obrigações culinárias.
Penetrei no recinto com esperança renovada no renascimento físico e mental e foi com um sorriso de esplendor que recebi a pulseira plastificada no pulso.
Pensei ter ouvido sinos e vozes angelicais entoando Aleluia, quando desci ao piso do restaurante, mas eis se não quando me deparo com algo inesperado. Um factor que não tinha considerado na minha equação de descanso físico e mental: Uma equação chamada Gado.
Eles vêm em manadas e puxam cadeiras com estridente alarido, pingando molho de carne e salada das beiças e falando alto. Eles esperam em ânsias a hora da janta, do lanche com Hamburgo e tosta mística, do almoço e formam aglomerados bovinos à porta do buffet, roçando o calcanhar no alcatifado, incentivando o próximo a chegar antes dele à mesa das carnes.
Eles coçam o umbigo e afloram a tomateira por dentro dos bolsos das bermudas pela canela, enquanto observam a unha engrossada pelo fungo, que amolecem com comovente dedicação na piscina do recinto.
Eles gritam com os putos para virem ao lanche e à bucha, enquanto eu grito com os meus putos para pararem de me pedir para irem ao sítio onde não estão, fazerem aquilo que não fazem, quererem aquilo que não têm.
Eles correm quando chamam para a Zumba à beira da piscina, ou para uma actividade de futebol nas bordas do relvado, tal e qual o gado conduzido no pasto.
Mas, acima de tudo, acima da terra e do céu, do esplendor e do pecado, do bem e do mal, eles vibram mesmo é com a comida e a bebida incluída e eu dou graças ao Espírito Santo por ter feito a experiência apenas por dois dias. É que o gado ruminante cansa e isto já não são férias nem são nada, é apenas um embuchar permanente e flatulento de coisa nenhuma.

domingo, 6 de julho de 2014

Doce e Sumarento



Já andava para tirar do peito este encantamento há bastante tempo, mas só hoje decidi partilhá-lo aqui.
Um misto de Capitães da Areia com a escrita mais refrescante dos últimos anos.
Isto de partilharmos aquilo que lemos e adorámos, como se fosse impossível discordarem de nós, é sempre chato, pois aquilo que me diz tanto, pode não dizer assim grande coisa a mais alguém, mas esta menina, chamada NoViolet, escreve com todos os sentidos em simultâneo :)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ai, Eddie, Eddie



Porque tinhas tu de ir para um festival no meio o pó, do chulé e sovaco? Porque não podias tu vir cantarolar para a porta de minha casa?

Aceitar

Penso muitas vezes em todas as coisas complicadas da vida e, na maior parte das vezes em que penso nas coisas complicadas da vida, concluo que o mais difícil é a aceitação.
Aceitarmos que não podemos modificar comportamentos.
Aceitarmos que nem tudo é moldável à nossa vontade.
Aceitarmos que o passado é estático e não pode ficar diferente, por muito que queiramos que tivesse sido diferente.
Aceitarmos que somos como somos e pararmos de lutar contra nós próprios.
Aceitarmos que os outros são como são e pararmos de lutar contra eles.
Aceitarmos que o mundo, invariavelmente, não quer saber dos nossos passos, nem abranda o ritmo para que consigamos acompanhá-lo.
Aceitarmos que temos de abrandar, a fim de conseguirmos acompanhar o que nos sucede.
Aceitarmos.
Depois de conseguirmos aceitar chega uma doce, quase transcendente, paz e pensamos como é que tudo sempre esteve ao nosso alcance e como é que nunca parámos antes para aceitar o inevitável.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Show must go on

Esta é provavelmente uma das expressões mais filhas da puta de sempre.
Nunca entendi verdadeiramente o seu significado até sentir na pele o que é ter de prosseguir, quando a vontade é parar.
A vida devia poder parar em homenagem a certos momentos, mas não pára e essa é a maior lição de todas. A de que não somos assim tão especiais na ordem inevitável do mundo, ao ponto de ele parar de girar por nós.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Esta Selva

Há pessoas que chegam a um novo espaço e observam, medem, mijam os cantos, a fim de marcar território, estudando os rivais. Pessoas que, bem no fundo, são comidas por dentro, na própria insegurança e no receio do seu próprio fracasso.
Há outras que chegam de coração aberto, plenas de esperança no universo e na condição humana e que são mijadas logo no primeiro segundo e só vão sentido a acidez da urina uns tempos depois, ficando à toa, cheirando o ar e não entendendo o porquê.
Outras que parecem pacatas, mas que estão de olhos bem abertos e coração semi fechado. Nada dizem de especial e podem parecer encaixar-se no grupo das mijáveis, mas não dormem e usam galochas anti-mijo.
Podia continuar aqui a enumerar grupos e encaixes ecléticos nesta coisa de viver no meio de pessoas, mas deixo isso para os profissionais do meio, os zoólogos, biólogos e afins, pois que, no fundo, somos todos animais selvagens, cheirando, emboscando, marcando território, escondendo fraquezas, sublimando virtudes.
Tenho a sorte de me ter cruzado já com pessoas normais, com a medida certa de animal selvagem e Homem, mas regra geral a selva está pejada de inseguros mortíferos.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Mais árvores, menos pessoas

A cada ano que passa por este velho galho que é a minha pessoa, percebo que as pessoas são um bicho muito estranho e que as árvores o ser mais perfeito que existe.
Não enveredarei pelo caminho dos gatinhos e cachorrinhos fofos, mas pelos seres que nos dão tudo sem nada pedirem em troca.
Passarei o dia a abraçar árvores :)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Em contagem decrescente para...



Não, não é para escrever mais uma sequela do Jesse e da Céline (infelizmente), nem para rever pela décima vez um dos filmes da minha vida.
Também não é para deitar-me no colo do Ethan Hawke e suspirar-lhe divagações sobre as banalidades da vida.
Mas eu caia já aqui redonda se não tenciono andar na roda gigante :)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

É nas coisas simples mesmo

E hoje, num dia particularmente patético e sem graça, duas coisas tão simples que até assustam trouxeram-me um raio de sol (além do sol propriamente dito, claro):
A minha querida Vânia, da editora do meu livro enviou-me este link
E a minha avó decidiu trazer-me ovos verdes para o jantar.
Agora digam-me se não é mesmo nas coisas simples que reside a felicidade. Só foi pena não ter uma cerveja para acompanhar os ovos verdes, porque de resto o meu coração sentiu-se sobreaquecido.
Espero nunca perder a capacidade de parar para valorizar as entrelinhas.

Ainda não li o livro da cocó sobre a culpa

que as mães sentem desde o útero até ao céu, mas sei que é mesmo assim e que, por muito que saibamos que somos boas mães, há sempre um insidioso complexo na parte de trás da alma que nos tolda o raciocínio.
Não podemos mostrar que nos vamos abaixo, que estamos à beira de um ataque de pânico, de nervos, ou de puro desespero por não conseguirmos gerir a nossa imperfeição.
Não podemos mostrar que somos simplesmente incapazes de fazer o jantar, porque nos apetece ficar a fitar um grão de poeira que se depositou na esquina da parede, ou que não estamos interessadas nos pequenos pulinhos ao pé coxinho que precisam de aplausos.
Não podemos mostrar que, depois de um dia cheio de emoções intensas e de trabalho que nos desgasta o cérebro, não temos mais cérebro para comandar sequer os músculos do nosso rosto para que sorria.
Não podemos mostrar que sentimos saudades de podermos simplesmente ficar tristes, ou doentes.
No meio de todo este turbilhão de culpas ancestrais que nos rege desde os primórdios dos tempos, tropecei nesta bela citação (sim, nem todas são do Einstein a falar de cachorrinhos) e que, de facto me amainou o desespero da culpa:



terça-feira, 10 de junho de 2014

Dos Desgostos de Amor em 2009 e Sempre

Hoje, ao andar para trás no tempo deste blogue,dei de caras com o post que teve mais buscas no Google e que mais pessoas conduziu a este humilde-a-puxar-para-o patético blog. Hoje, ao andar para trás neste espaço um bocadinho esquizofrénico, que nunca seguiu uma linha a direito e que tenho deixado ao abandono por tantos motivos que não mereciam a minha negligência, retomo a leitura das minhas parvoíces e sai-me este post na rifa. Não sei se ainda é aquele que traz mais gente através do Google, pois simplesmente deixou de me importar os feeds e estatísticas de coisa nenhuma, mas sei que é capaz de ter feito algumas pessoas sentirem-se menos sós, por isso aqui fica ele de novo, 5 anos depois e com banda sonora a acompanhar.

Os Desgostos de Amor
Se me perguntarem do que mais tenho saudades no passado não é dos desgostos de amor.
De cada vez que os vejo bem lá atrás, enterrados às três pancadas, bem fundo, ou apenas à superfície sorrio pela paz, pelos dias sem atritos do presente.
Ainda lembro quando a dor me toldava a vida inteira, consumindo-me como uma espécie de sombra que me perseguia em cada música, filme, café, rua, perfume. Nada me trazia o esquecimento, nenhuma conversa era suficientemente anestesiante, nenhum filme suficientemente poderoso, nenhum livro ultrapassava o desgosto sentido bem nas entranhas de mim. Encarar os outros um martírio, explicar o que se passava uma tortura.
Nada, rigorosamente nada me esvaziava daquilo que me enchia o que precisava de espaço. Queria respirar e doía, queria conversar sobre outra coisa qualquer, mas na minha voz apenas habitava o desabafo, queria olhar um espaço em branco, mas tudo se preenchera com a sua imagem.
Os desgostos de amor consomem muito de nós e nada os aplaca além de um dia atrás do outro. Só mesmo o tempo, por muito lugar comum que possa soar, nos dá outra perspectiva de tudo.
Os desgostos de amor são como uma morte ao contrário, como ter que aprender a viver sem alguém que está vivo e ao nosso lado. Enterrar uma pessoa que vive é das tarefas mais hercúleas que se podem dar ao coração e o meu não tem a menor saudade de se sentir magoado



sexta-feira, 6 de junho de 2014

chuva

Hoje chove e as coisas mais importantes não estão.
Hoje chove e tudo aquilo que julgava certo é afinal feito do vidro fino da água.
Hoje chove e o calor insiste em manter-se arredado da minha janela.
Sim, o sol virá, porque é esse o movimento suposto das coisas da terra, que insiste na sua silenciosa agitação, apesar de nós estarmos quietos por dentro. Mas mesmo o sol será pouco para levar embora a água que ficou de tanta chuva.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Páginas Íntimas

"Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.
O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci."

Fernando Pessoa, 'Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação'

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Vida Interrompida

Ontem, ao folhear um livro juvenil, daqueles que estão nos escaparates e cuja capa é demasiado atractiva para não lhe pegarmos, percebi que estava cheio de letras de todos os tamanhos e cores, numa tentativa de apelar aos sentidos do jovem leitor. Não havia duas palavras com letras do mesmo estilo, nem cor. Desenhos, explosões, sublinhados, remetiam o texto para uma espécie de vómito sensorial, como se o livro precisasse de tudo aquilo para enfeitiçar o jovem leitor. Como se um texto de linhas limpas e tranquilas não bastasse.
Vendo bem, acho que podemos aplicar esta nova máxima de vómito sensorial a tudo na nossa vida.
Mil e uma dietas de todas as cores e feitios, que todos seguem e partilham, mil e uma fotografias de momentos nossos que não são verdadeiramente sentidos a menos que sejam partilhados por milhares de outras pessoas, mil e um pensamentos que não se realizam se não tiveram centenas de likes, ou comentários, mil e uma notícias, mil e um concertos ao vivo, mil e um livros cujas linhas fotografamos, mil e uma músicas que fazemos questão de mostrar que ouvimos, mil e uma vidas em que se transforma a nossa simples e não assim tão preenchida existência.
Já não sabemos estar no momento, a menos que o partilhemos. Já não sabemos confiar em nós próprios, a menos que uma falsa sensação de confiança nos seja incutida pelos seguidores virtuais.
Já não sabemos estar apenas a ler um livro, a ouvir uma música, numa fila de trânsito, num passeio por uma estrada à beira mar, sem sermos interrompidos pelo ruído virtual. Tal como nos livros juvenis, que interrompem constantemente a concentração, com explosões, cores e formatos desiguais, como se o jovem não pudesse, ou não conseguisse concentrar-se sem ruído, também a nossa vida caminha para o abismo do medo da solidão.
Estamos a perder a capacidade de estarmos num só lugar, dentro apenas de um único momento e de percebermos que a nossa vida não tem de ser constantemente perturbada para fazer sentido.
Os nossos melhores momentos não são para "guardar" junto de milhares de pessoas, mas dentro do nosso coração.
As melhores fotografias são aquelas que apenas o nosso olhar concentrado sabe captar e aqueles que amamos têm de estar à distância de uma conversa possível, de um olhar focado.
Até há uns tempos atrás achava as declarações do Miguel Sousa Tavares, sobre Facebook e afins, a roçar o extremismo islâmico, mas hoje consigo entender uma parcela do que ele proclama, do que ele visionou antes de tantos.
O facebook é uma ferramenta interessante e útil em muitas vertentes, sim, mas corre também o tremendo risco de nos fazer perder o foco e de nos fazer esquecer a vida tal como ela deveria ser, com cheiro, textura e arrebatamento concreto. Quando lhe atribuímos mais relevância do que ao chão debaixo dos nossos pés, quando entendemos mais importantes os elogios e mensagens públicas, do que as palavras ditas em privado, quando nos aventuramos a dizer em mensagens com conhecidos virtuais, o que não ousamos dizer olhos nos olhos e damos assim aso a aventuras que nos elevam, ainda que apenas virtualmente, o espírito, alguma coisa está terrivelmente mal na nossa sociedade e o facebook mais não é do que um patético palco de pessoas carentes de vida verdadeira.


mais do que inspirada aqui

segunda-feira, 26 de maio de 2014

X

Ontem era suposto haver eleições e o soberano povo, confrontado com as seguintes hipóteses:
Voto nulo, desenhando pequenos pénis, ou maminhas na quadrícula.
O Partido dos Animais e da Natureza, enquanto se apaga o charro antes de penetrar na urna.
Marinho Pinto e os seus modos sexys de homem do talho, de cutelo na mão a mandar todos para o grande pénis nigeriano.
O senhor de quem não recordo o nome, mas que tem uma cremalheira implantada e diz que faz parte da oposição.
Dois homens e um destino-que-foi-foder-o-trabalhador-em-geral-e-o-funcionário-público-e-reformados-em-particular.
Ganharam dois:
Os que disseram "que se fodam todos, vou continuar com o rabo alancado no sofá a ver a season completa do Game of Thrones e Marinho Pinto.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

trabalhar por gosto também cansa

Trabalhar por prazer também cansa, mas é no cansaço que encontro um prazer que andava arredado da minha vida: O gosto de descansar do meu trabalho em vocês.
Filhos chatos, tantas vezes refilões e exigentes, filhos que não me proporcionam folgas, nem fins de semana, filhos que me despertam antes das sete e me têm derreada antes das oito, mas de cheiro doce e sorriso brilhante.
Pudesse eu descansar de todas as fadigas limitando-me a encostar o meu rosto no vosso peito sereno e tudo seria sempre simples para mim.
Levei-te a ver o Concerto da Violleta ao cinema e surpreendi-me ao gostar de partilhar contigo aquele momento de pura cumplicidade. Olhei-te e vi uma menina crescida e sensível, já com gostos de pré adolescente. Deste-me a mão e cantaste as espanholadas todas que te encantam e eu achei-te aquela graça parva que acham todos os pais a coisas que mais ninguém entende.
Levei-te depois a um espetáculo maravilhoso no CCB, cheio de sombras e dança e mais uma vez descansei no teu olhar de pura rendição. Caminhámos de mão dada por Belém e disseste-me que não querias voltar para casa, que se estava bem ali comigo e descansei mais uma vez do trabalho e do resto do mundo apenas por te ter ali e por partilhar contigo o mundo pelos teus olhos de menina.
Quanto a ti, António, estás cada vez mais exigente, cada vez mais crescido e independente, fazes questão de assoar-te sozinho, deixando um terrível rasto de gosma pela cara toda, mas empunhando um sorriso de vitória pela pequena conquista de independência. Gostas de fazer tudo sozinho e de ter os teus momentos a sós, mas sei que ainda precisas de mim, quando te vens deitar ao meu lado no sofá só para me perguntares se está tudo bem comigo. Quando sorris tudo o resto parece assumir relevância pequena e quando me abraças, esqueço-me de como é complicado gerir tudo quando a vida não é só vocês.
Trabalhar por gosto também cansa e tenho andado cansada, demasiado. Mas espero que esse cansaço nunca me retire a capacidade de vos olhar como vocês me olham.

domingo, 11 de maio de 2014

Todos os Homens

Têm um pequeno talibã dentro deles.
Mais, ou menos adormecido, mais, ou menos disfarçado por camadas de anos e de gerações de suposta democracia e igualdade de direitos, mas ainda assim um talibã.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

impunidade

Depois de muito esmiuçar a lista de defeitos esmiuçáveis de um Estado de Direito, cheguei à conclusão de que o defeito que mais abomino é a impunidade.
A impunidade inerente a uma Justiça merdosa é um dos grandes factores que nos arrastam para o fundo do lodaçal em que nos encontramos.
Quem é que quer investir num país onde a justiça não funciona? Que tipo de pessoas atrai um país onde a justiça é uma anedota? Pessoas obviamente merdosas e sem escrúpulos.
Que tipo de pessoas forma um país onde a Justiça é uma piadola?
Pessoas que se calam, que não acreditam no poder de uma reclamação, de uma acção, de um grito para fazer valer os seus direitos. Pessoas que engolem e não choram (nada de analogias porcas), simplesmente porque não vale a pena chorar.
Pessoas que se esquecem que têm direitos, pois, na prática, é como se não os tivessem.
Pessoas que sabem e visualizam todo o percurso tortuoso que as espera se intentarem o que quer que seja contra quem os injustiçou.
Pessoas resignadas, chatas, taciturnas, com úlceras.
E tudo isto é triste, tudo isto é fado.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Consideração sem grandes variáveis

Alguém publicou um excerto de uma entrevista a Vasco Graça Moura e nessa entrevista ele dizia qualquer coisa como: O Estado não deve subsidiar cinema que apenas o próprio autor entende.
A pessoa que partilhou o excerto da entrevista mostrava a sua indignação. No meu caso, tive vontade de aplaudir de pé.
Chega de arte para próprio gáudio, ou para gáudio das elites crítico intelectuais às nossas custas.
Escrever para o público em geral e agradar-lhe. Esse sim é o grande desafio de quem deseja subsídios.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

desabafo ligeiro-como-quem-não-quer-a-coisa

Andamos todos calados, conformados, desinquietados, medrosos, neuróticos.
Andamos todos agradecidos pelos tostões que recebemos, pois que enfim, não podemos queixar-nos por ter tostões, já que tantos não os têm.
Andamos todos em vénias por termos ainda trabalho, ainda que esse trabalho seja um profundo excremento, e deixamos de reivindicar coisa melhor, pois que o melhor é agora muito pouco, nesta baixa de expectativas que nos injectaram durante o profundo coma troikiano.
Andamos todos acorrentados uns aos outros, correndo em maratonas, como gado, mas sem o objectivo de encontrarmos pastagem melhor, e partilhando frases virtuais de incentivo, cuja autoria é sempre de origem dúbia.
Andamos todos tão atormentados com as dietas detox, glúten free, enriquecidas com magnésico, anti oxidantes e laxantes. Andamos todos tão compenetrados no que fazem todos, no que leem todos, no que comem todos, que toda a nossa vida se transforma numa gigantesca e absurda obstipação.
E pronto, agora voltarei para a minha caverna, onde me refugío do universo social lá fora, e vou continuar a trabalhar, enquanto sorvo avidamente o meu sumo de espinafre com cebola, mas quente e em modo sopa.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Rita

Somos muito mais do que a data em que nascemos e o dia em que deixámos de viver.
Somos muito mais do que os números que marcam o dia em que chegámos e o dia em que partimos. Por isso hoje,tal como no resto de todos os dias, não me lembrei que era uma data tua. Talvez por ser a mais triste de todas as datas,talvez por me recusar a acreditar que agora não és mais do que o princípio e o fim, ficando o meio inteiro entre eles tolhido pela tristeza dos aniversários que se choram.
Farei questão de imaginar-te ainda um futuro, longe destes calendários que dão o compasso para a nossa tristeza e de celebrar todos os outros dias em que exististe.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O meu rapaz

De todos os meninos, calhaste-me tu. Sensível, meigo e tremendamente agarrado a mim.
De todos os meninos, calhaste-me tu, porque seguramente levaste contigo tanto do meu feitio, quando te formaste aqui dentro de mim.
Não sou daquelas mães que gosta de se rever nos filhos, pois sei-me carregada de coisas de que não gosto particularmente. Gosto de vê-los diferentes naquilo que não tenho de bom, mas também sei que nem sempre isso é possível e tento aceitá-lo, sem dramas.
Ainda não acertei bem no tom para que não fiques sentido quando quero que voes sem a minha ajuda, para que não me julgues dura, ou mil vezes pior, para que não penses, nesse teu peito pouco racional, que te gosto menos. Porque o meu amor por ti é directamente proporcional às minhas vãs tentativas de te ensinar que o mundo é um local seguro sem mim.
O meu amor por ti não se nota aos teus olhos, quando te deixo na escola a perguntares-me dezenas de vezes se te vou buscar, não se deixa ver quando pensas que já não te dou tanta importância. O meu amor por ti estará, agora, maioritariamente nos gestos que não compreendes e isso deixa-me sempre sem fôlego. Mas sei, ou quero acreditar que sei, que amanhã poderemos respirar fundo finalmente.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Não faz mal serem "vencidos"

Sou só eu que já vomito estas trampas?

Chavões que são fáceis de dizer, mas infinitamente complicados de empreender, frases feitas, que meio mundo parece seguir, publicar e aplaudir, mas que a nós, comuns mortais, nos custam realizar.
Não se preocupem com isso de fazerem tudo na perfeição e de conseguirem viver apenas no presente, sem expectativas e aura budista. Não se preocupem se acharem, de vez em quando, que a vida é fodida, porque a vida é fodida, de vez em quando, mesmo quando não existem verdadeiros dramas sobre nós , mesmo quando, aparentemente, temos tudo para sermos felizes. Não podemos controlar as emoções, ao ponto de não sentirmos um pequeno drama por coisas banais de vez em quando, ou por não sabermos lutar contra o quotidiano instalado, com a pose irrepreensível de tantos endeusados que parecem rodear-nos.
É que isto de ter ligações à internet e ver a vida editada dos outros, em fotografias idílicas e sempre felizes, sobe muito a fasquia. A malta das fotografias felizes tem uma vida normal nas entrelinhas, também chora, também grita com os putos, também se exalta e acha tudo uma valente merda de vez em quando.
Desculpem-se mais e vão andando em frente, com a única certeza de que voltarão atrás várias vezes e que se angustiarão com o futuro outras tantas, porque isso de viver apenas no presente é uma rebarbada utopia.




quarta-feira, 12 de março de 2014

A minha rua

tem nome de poeta, mas nela não há poesia, apenas merda, por canídeos polvilhada e simetricamente distribuída.
De tantos em tantos metros há um cagalhão, ora esborrachado pelas rodas dos carros, ou pelas solas de um ingénuo caminhante solitário, ora espalhado aos sete ventos, quando a caca é seca pela pobre alimentação, ora depositado com carinhoso afinco em montículos artísticos sobre a calçada de fronte da minha porta.
A minha rua podia cheirar a relva e a orvalho, podia cheirar a sol e a campo, sonhemos alto, a maresia, mas cheira a fétida bosta das entranhas e isso aborrece-me.
Apanho esporadicamente senhores e senhoras vestidos para correr, despachando os pós digeridos de seus animais de estimação na minha rua e, ante a estupefacção espelhada nas suas estúpidas faces, intervenho, mas de nada adianta, nada soluciono desta praga de merda que se apoderou da minha rua com nome de poeta.
Cada novo cão que chega, atraído pelo fétido fedor de outros cagadores, é um novo cagalhão que se acumula e juro-vos, com toda a poesia que respeito, até pelo nome da minha rua, que um dia deixo-me de poemas e recolho uma a uma, as poias infectas e fumegantes de excremento, para espalhá-las, qual botox capilar, nos escalpes de seus donos corredores de maratonas.
Declamarei então poemas de júbilo, receberei e desferirei socos, mas serei livre de toda a bosta que tenho entalada na glote.
Quem sabe até, no final desta guerra fria, não pedirei ao Nuno Markl que me desenhe cagalhões caninos, a fim de estampar t-shirts e oferecer a quem de direito. Não terão, porém, batom, nem aspecto fofinho, prometo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A todas as mães de meninas



Cujas filhas padeçam desta enfermidade.
Estou convosco nessa luta inglória contra o cravanço de merchandising relacionado com esta merda.
Para quando papel higiénico da série? Aí sim, compraria com gosto.

quarta-feira, 5 de março de 2014

pedantismo

Ontem falava com a Melissa sobre pedantismo e como é importante, tantas vezes, o autor, tradutor, jornalista, ou o diabo que o carregue, conseguir desaparecer em prol da história.
Quanto menos se notar dele, mais sublime fica o trabalho.
Mas sei que é complicado despirmos o ego e desaparecermos, em prol do que quer que seja, pois gostamos sempre de enfiar uma qualquer bandeira que diga ao mundo inteiro que fizemos aquilo, que sabemos daqueloutro, que dominamos mais outra coisa qualquer e vamos enfiando pistas, deixando marcas de nós por todo o lado, quais canídeos marcando território.
Nos dias que correm, a "invisibilidade" é tarefa praticamente impossível de levar a cabo, pois a vaidade está sempre ali a querer saltar por todos os lados. Assim, é vinte vezes mais gratificante quando descobrimos apenas a ponta do véu, o latente, o guardado com recato.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

viajar assim é viagem

De todas as partidas guardo aquela que me trouxe aqui, ao meu regresso.
De todas as viagens o retorno de poder lembrá-las sempre, sem condicionante de tempo, ou de lugar físico.
De todas as chegadas aquelas em que vi o que lembraria todos os dias, sorrindo apenas para dentro, com aquele movimento infinito e invisível dos que não querem ser vistos felizes, mas que o são, pelo breve instante em que se recordam a viajar.
Viajei sempre para me achar pequena e assim me encher da grandeza necessária ao quotidiano de coisa nenhuma.
Agora, eis-me aqui, pequena de viagens, mas infinita na recordação.
Não viajo há demasiado tempo e sinto a falta do arrepio na pele medrosa à partida, falta daquele medo irracional de um qualquer imprevisto que me impeça de regressar atempadamente à minha vida.
Sinto a falta dos outros fora daqui e de mim dentro do que é deles, sentindo-me nada e sabendo-me, no entanto, um mundo inteiro.
Sinto tanta falta de viajar, que me dói fisicamente cada país que não sei, cada terra que não vejo, cada pedaço do mundo que não alcanço daqui, da minha casa.
Um dia destes, não muito longe de hoje, retornarei a um qualquer lugar que ainda não conheço e encher-me-ei de saudades e memórias novas. Depois chegarei plena. Uma plenitude temporária, mas imensa.

Salto agulha e outras manifestações anti calçada, estou convosco

A todo o mulherio que se quedou em êxtase com o anúncio da retirada da Calçada Tuguesa, perspectivando assim o dia em que poderia sair para o trabalho, todos os dias sem excepção, com o seu salto agulha, sem correr o risco de ficar com o dito salto Jimmy Choo enfiado numa frincha da calçada.
A todo o mulherio extasiado com uma medida feita finalmente a pensar nos seus saltos e que se prostrou de joelhos em prece camarária, vendo-se agora a braços com uma petição que circula por aí, ousando interferir com o legitimo direito ao salto agulha:
Nada temam, pois espero que se juntem a vós, na vossa angústia e tenacidade, todos os deficientes que não possuem cadeiras de rodas todo o terreno, todos os portadores de carrinhos de bebés que não têm tracção às 4 rodas, nem amortecedores em aço galvanizado. Espero que se juntem à vossa luta pessoas que usem muletas e que possuam algum grau de incapacidade motora. Percamos a cabeça, espero que se juntem a vós aqueles que simplesmente não conseguem andar em cima daquela merda mal mantida, cheia de poia de cão entranhada e socalcos constantes e ganharemos a luta.
Estou-me positivamente a cagar para a calçada portuguesa. Tirando alguns locais emblemáticos onde, de facto, temos alguns desenhos pedronis belíssimos (de fazerem chorar as pedras da calçada), se pensarmos em todos os milhares de passeios, feitos supostamente a pensar nos peões e que são verdadeiras provas de obstáculos, eu quero que a calçada portuguesa se desintegre e seja vendida, pedra a pedra, na Christíe's, juntamente com os Mírós.
E não, não tenho por hábito usar salto agulha.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pensamentos que tenho e que até a mim fazem espécie

Espero que se lembrem de converter a casa do Presidente-ucraniano-em-fuga numa estância balnear. Gostei da paisagem idílica, do ursinho pardo em cativeiro, da neve como pano de fundo, dos pequenos lagos atravessados por pontes ao estilo japonês.
A aparência de Chalet é, no entanto, contrariada pelo interior faustoso e nauseante em tons de dourado, mas isso damos um jeitinho e pomos uns naperons.

Presidentes que entram sem fortuna e que saem com pés de banheira em platina e torneiras de bidé em ouro são de a gente desconfiar, carago.

Vê como entra alguém para o poder e vê como sai. Só aí alcançarás a iluminação.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

notícias relevantes da internacionalidade portuguesa



José Chateux Blanche é a rainha do Carnaval desse mítico recanto do Carnaval mundial chamado Estarreja. Internacionalmente reconhecido pelo seu corso pró pneumonia e mulheres de bunda gelatinosamente agitada, será agora foco de interesse universal, uma vez que provou que o carnaval ali se leva a sério.


Michael Grass is back.
Depois de um longuíssimo interlúdio na Sibéria, durante o qual se penitenciou, orou e estudou profundamente os ensinamentos de origem soviética, Michaelis decidiu tornar à mãe pátria. Visivelmente envelhecido após os longos anos exposto à tundra da culpa, ele regressa. Acanhado é certo, andar encurvado pela timidez que o caracteriza, mas revigorado por uma nova esperança que consegue ler-se no seu humilde olhar. E os portugueses recebem-no em braços , entoando temas pré revolucionários, com afinação e decoro. Conhecidos pelo seu caloroso acolhimento, os espécimes das bordas do Atlântico decidem produzir piadas jocosas e sorrisos malandros, mas nada além disso.
Compensa sempre regressar a Portugal após longos interlúdios na Sibéria, ou em Paris.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Queria tanto fazer do pouco muito

E do nada alguma coisa relevante.
Mas tirar nada do nada é humano e, da última vez que verifiquei, ainda fazia parte desse patético grupo de seres vivos que não conseguem tirar lições de grandeza de tudo aquilo que sucede.
A merda acontece e essa, companheiros da humanidade, não passa de merda. É limpar o sapato e prosseguir, sem grandes reflexões.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ódios que não são de estimação,

mas que fermentam como bolor dentro de mim:
-Carnaval e a obrigatoriedade de mascarar os putos para a escola. Odeio tudo. Este ano já avisei: Pinto um bigode aos dois e espeto com óculos para ver filmes 3D, sem as lentes. Não quero saber do que é que vão, o que é que querem. Chega de gastar dinheiro nesta rebarbada bosta. Odeio e tenho pena de não ter conseguido passar a minha implicância a nenhum dos meus putos.
- Que ofereçam brinquedos da loja do Chinês aos meus filhos. Eh pá, a sério, não fico melindrada que não comprem nada, juro que não. Fico mais melindrada quando, de entre as milhentas alternativas não tão caras, como livrinhos a 3 euros, carrinhos nos supermercados a 2 euros, missangas a 4 euros, vejo que optaram por penetrar na loja do chinês para escolherem um carrinho cheio de farpas, pontas aguçadas, a largar tinta e coberto de uma espécie de pólvora, um pó fino preto.
Prefiro mil vezes nada.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A perfeição é sobrevalorizada

Leio muitas coisas por aí.
Casais que estão juntos há uma eternidade de anos e que dão conselhos sobre relações duradouras, como se existisse alguma fórmula mágica para tal.
Casais que estão juntos há poucos meses e que dizem que é para sempre, sendo que já o disseram de todas as outras vezes que estiveram noutras relações eternas.
Leio pessoas que fazem críticas a livros de outras pessoas e que constroem teorias sobre o que é um bom, ou um mau livro, fazendo da sua opinião alguma espécie de dogma universal.
Leio pessoas que constroem frases magníficas sobre a pobreza da escrita alheia e que tecem a sua arte crítica sobre palavras dos outros, com pomposidade ligeiramente nauseante.
Leio pessoas que são pagas para escrever para os outros e o fazem num tom de diário íntimo que apenas elas entendem.
Leio sobre prodígios da maternidade e paternidade que não entendem como é possível existirem pessoas que não desejam um rancho de filhos.
Leio sobre pessoas que empreendem algo e o prosseguem até ao fim, sem percalços, nem desvios.
Leio sobre prodígios de tudo e mais alguma coisa e sinto-me tão pouco prodigiosa em tantas coisas, que me afundo numa estúpida melancolia de ser assim.
Se existem pessoas que os leem e deles retiram consolo, ou prazer, não terão esses livros, criticados pela fina nata, algum mérito, por levarem as pessoas a ler?
Se existem casais juntos há milhares de anos, terão eles mais mérito do que os casais que entenderam não ser capazes de prosseguir? Serão estes mais falhados, por não possuírem as receitas milagrosas para um amor eterno?
Se existem pessoas que não desejam filhos e que os não têm, ignorando qualquer espécie de pressão social, não serão essas pessoas mais honestas, do que aquelas que os têm sem qualquer tipo de desejo pessoal, mas apenas para prosseguirem tradição?
Se existem pessoas que desejam apenas um filho, terão elas que trazer ao mundo outro rebento, apenas para que o filho nascido não fique órfão de irmão, como se um filho único fosse alguma espécie de aberração da natureza?
Este mundo tão pleno de perfeição, ditada por alguém que não conheço, mas que parece tudo comandar, maça-me e deixa-me neurótica e eu tenho uma aprofundada panóplia de problemas com os meus estados neuróticos, pois, geralmente, levam-me a comer pratadas de Cerelac ao pequeno-almoço e também isso é negado pelos parâmetros da deusa da da salubridade feminina, seja lá essa puta quem for.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As histórias que terminam com o primeiro beijo

Para mim, as histórias mais românticas sempre foram as que terminavam com o primeiro beijo. Por isso, os livros da Jane Austen são os que mais memórias romântico adolescentes me trazem.
Um suave toque de mão entre os dois protagonistas era dez vezes mais poderoso do que toda a queca possível de todos os romances eróticos agora tão em voga.
Um olhar de soslaio, as palavras que nunca eram trocadas, tinham o poder do mundo inteiro e continham, ao invés de exporem. Tudo ali é romântica contenção, antecipação, espera. Tudo ali é de uma intensidade profundíssima, mas nunca posta em acção, até ao parágrafo final e isso sempre me encheu as medidas.
Os dois grandes livros da Jane Austen, deram dois grandessíssimos filmes, o Sensibilidade e Bom Senso (adaptado pela própria Emma Thompson, de forma sublime) e o Orgulho e Preconceito, interpretado por uma actriz que geralmente me complica com o nervoso, pelo número infindo de boquinhas que produz, mas que neste filme encarna uma irrepreensível Elizabeth Bennet.
Quanto a mim, são das duas melhores adaptações de livros ao cinema, se é que posso opinar sobre adaptações de livros ao cinema, pois percebe-se, em toda a escala, a devoção que quem o fez tinha pelos livros da Jane Austen, na sua imensa delicadeza de sentimentos.
Também eu sou uma devota incondicional dos livros, séries e filmes e ainda hoje os revejo, de coração palpitante e exaltado, à espera do desfecho que me fará respirar de alívio e acreditar, mais uma vez, nas grandes histórias de amor :)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Rita

Hoje faz 1 ano sobre o lançamento do meu livro e não é no meu livro que penso, é em ti, Rita.
Querias fazer-me uma surpresa, tinhas comprado um bilhete de avião e preparavas-te para aterrar inesperadamente naquele evento, que me trazia nervosa há tanto tempo, por ser esta coisa tímida e sem jeito para eventos de espécie alguma.
A doença trocou-te o destino, programado com tanto carinho e ficaste retida em Paris, mas enviaste a tua irmã e o teu padrasto em tua representação.
Queria dizer-te tudo aquilo que ainda sinto quando me recordo da nossa breve amizade e confirmar-te que não deixo de pensar em ti, só porque vai fazer um ano que morreste. Sei que existe uma certa solenidade, uma quase incapacidade de falarmos nos nossos mortos, com medo de abrir feridas naqueles que te foram mais próximos, mas acho tudo isso uma profunda estupidez, pois as pessoas não morrem só porque morreram e tu, Rita, jamais serás uma ferida aberta, mas uma memória que farei questão de não tapar com sombra alguma.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

TPCês

Durante muito tempo fui contra os trabalhos de casa das crianças, ponto final. Hoje em dia sou contra os trabalhos de casa na sua vertente excessiva e desmesurada, reticências.
Sempre vi várias mães exaustas, que chegavam do trabalho e ainda enfrentavam resmas de fichas e dúvidas e stress. Já para não falar nas crianças que, cansadas da escola, ainda aterravam numa segunda escola, em casa, onde o tempo seria de descanso e recarregamento de baterias.
Mas chegou a vez de ter uma filha na primária e, se no 1º ano, tudo foi relativamente suave, com TPC's duas vezes por semana, no 2º ano percebo que a Alice tem mais dificuldades em acompanhar tudo apenas na escola.
Trazem trabalhos à sexta feira e só têm que entregá-los na quinta feira seguinte, cabendo-nos gerir o tempo e os horários, sem grande stress, nem quantidades excessivas.
Mas acontece que não tenho uma daquelas filhas prodígio na escola. É um prodígio em milhões de outros aspectos, é certo, e, verdade seja dita, tira sempre muito boas notas, mas neste ano essas notas envolvem trabalho de bastidores e com isso quero dizer, a nossa atenção.
É preciso motivá-la, corrigi-la, empurrá-la para fora da preguicite, típica de uma criança da sua idade, que me pede cromos da Violetta (essa grande pindérica argentina)e se embasbaca em frente do Sponge Bob. Mas é sempre preciso fazermos qualquer coisa mais.
Não basta lançá-la para dentro da sala de aula e dizer-lhe: Aprende! Pois por muitas horas que tenha de estudo acompanhado, esse tempo lectivo em que tentam colmatar dificuldades; há dificuldades que ela só ultrapassa praticando muito, com alguém que lhe preste atenção exclusiva.
Não me venham com as tretas de que têm que ser 100% autónomos, o que é verdade em certa medida e a partir de uma determinada idade, nem com factos consumados relativos a crianças prodigiosas que conseguem cumprir rigorosamente tudo sem ajuda, nem encaminhamento adulto, pois que estes são casos raros.
Sempre soube que isto dos putos é uma grande responsabilidade, que não podemos simplesmente despejá-los do útero e dizermos: Agora cria-te, vá! Brinca aí com isso, dorme aí várias horas seguidas e deixa-me descansar, cala-te aí, que eu preciso de silêncio! Sempre soube que isto dos putos envolve despirmos várias camadas de preguiça e egoísmo. Mas foi com a entrada no segundo ano do ensino básico que me apercebi do verdadeiro grau de responsabilidade da coisa e a modos que me sinto cansada. Não protesto, pois sei que em breve ela será mais independente, mas sei também que a independência passa por uma primeira fase de encaminhamento.
Depois ela ultrapassa aquilo que não tinha entendido muito bem e enche-se de segurança, alegria e quer fazer mais e praticar mais um bocadinho. Depois tira Muito Bons e Excelentes e sente-se segura e confortada, mas foi preciso praticar. É que não tenho milagres caseiros, nunca tive, tudo aqui envolve trabalho. É claro que há brincadeira e tempo livre também, mas não tenho crianças que se criam sozinhas...

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Miró-nes

Ao ouvir o nosso Primeiro M. a dizer que tinha feito um acordo chave na mão, com a famosa leiloeira britânica, em relação aos quadros do Miró, fiquei feliz por saber que um homem do seu gabarito ainda se recorda dos tempos em que vendia casas na Remax de Massamá.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

pergunta para efeitos de coisa nenhuma

Há mesmo quem esteja convencido que acrescentar pequenas rodelas de fruta ao seu manjar o torna mais adelgaçante?
A ser verdade, passarei a cortar pequenos pedaços de fruta colorida e a atirá-la sobre o Nestum de Mel.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Merecemos sempre melhor e as queixas de bastidores

Há cerca de um ano que os duches da natação da Alice não funcionam correctamente. Ora projectando água a escaldar, ora a ferver. Não se consegue temperar a água. Não existem suportes para o chuveiro e os manípulos aguentam-se cerca de cinco segundos, antes de cortarem a água.
Nos duches, os gritos das crianças que são escaldadas, ou congeladas, são o pão nosso de cada dia e as queixas repetidas das mães nos balneários são a banda sonora dos meus fins de tarde, duas vezes por semana.
Há cerca de um ano que me queixo na recepção do complexo desportivo novo, onde pago uma mensalidade para a minha filha aprender a nadar, e obtenho a resposta delicada de que estão a tratar disso, que é preciso orçamentar e chamar técnicos e partir paredes e, juro, que qualquer dia estou a ouvir que é preciso comissão de apoio e de inquérito e estatísticas e estudos de impacto ambiental para substituir uma merda de umas torneiras.
Depois de já ter reclamado por escrito, numa espécie de pré-aviso ao livro de reclamações, sexta feira passada saltou-me a escassa carica que ainda possuía e pedi o virgem livro de reclamações. A directora do complexo tentou dissuadir-me, mostrou-me as caixas com as torneiras novas que já tinham chegado e que tratariam do assunto ainda na semana seguinte, mas fui irredutível e sob o olhar da minha filha pequena, surgiu ali uma discussão que atraiu atenções e fez virar cabeças.
Ela respondeu-me que me daria mais trabalho a escrever no livro, do que lhe daria a ela responder à reclamação.
Eu disse-lhe que estava bastante enganada, que podia ficar ali a escrever a noite inteira.
Mas foi quando a senhora me disse "Mas mais nenhuma mãe ainda se queixou", que se fez luz no meu pálido cérebro, em relação ao material com que são feitas a maioria das pessoas.
As mulheres que suspiravam e se queixavam e ameaçavam, só o faziam nos balneários, nos bastidores, entre dentes.
E isto vale para uma imensidão de coisas no nosso país.
Por isso, quando voltou a ressurgir o tema das praxes, depois da tragédia no Meco, e depois de o meu primeiro pensamento de asco ter ido para aqueles que se vestem como feiticeiros e exercem poder sobre os novatos, humilhando-os, numa espécie de exercício de masturbação sado masoquista, para inflamar o pouco que possuem a nível de neurónios, a minha reflexão recaiu sobre os jovens que se sujeitam a isto e que assinam termos de responsabilidade para poderem ser humilhados sem barreiras, em fins de semana grotescos, organizados por seres acéfalos que sonham estar nos SEALS, ou em organizações secretas ao estilo americano, mas que estão na merdaleja de cima.
A Alice assistiu ao meu protesto, primeiro com alguma timidez e depois com um sorriso. Ela sabia que eu tinha razão e quando temos a razão do nosso lado, não há argumentos que a deitem abaixo.
Devemos sempre, mas sempre rebelarmo-nos, sem pudor, quando aquilo que nos fazem não está de acordo com aquilo em que acreditamos, ou que merecemos.
Pais deste mundo, não produzam exemplos de cobardia, de acomodamento, de timidez, quando toca a defendermo-nos e aos outros de injustiça.
O que é que terá passado pela cabeça destes jovens que morreram no mar (e sabe-se lá de mais quantas centenas escondidas por estes acordos patéticos e senis de comissões de praxe) para abdicarem da sua dignidade, para pensarem que mereciam passar por toda a sorte de humilhações idiotas para subirem na hierarquia de coisa nenhuma?
Não é tanto os medíocres seres que se mascaram de Harry Potter e gritam, cuspindo-se enraivecidos, para os estudantes novos. Não é tanto os idiotas que me assustam, porque o mundo está repleto desses pequenos seres. É sim, todos os outros que se sujeitam aos idiotas, como se não merecessem melhor. Isso sim, tira-me o sono e faz-me querer ensinar os meus putos a jamais se sujeitarem a isto.


*imagem retirada da net

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

humildade.com

Alguém dizia outro dia que a humildade não era necessária para nada. Que ninguém era bom naquilo que fazia à conta dessa católica característica e sei que é verdade, pois muitas vezes, a autoconfiança nas próprias capacidades, a noção de que se é bom a valer naquilo que se faz, é uma gasolina com aditivo para continuar a fazer-se melhor.
E, verdade seja dita, prefiro um bom vaidoso a um falso humilde.
Estes são os factos e as constatações.
Mas nada disto impede que os vaidosos e apaixonados pela sua imagem e desempenho, apesar de viverem num idílio permanente consigo próprios, sejam dez vezes mais irritantes para o resto do mundo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Desaparecimento da face da terra

Tenho andado com tantas coisas para escrever (por obrigação) que nos intervalos apetece-me fazer coisas tão estapafúrdias como rachar lenha, ou derrubar paredes à cabeçada. Apetece-me tudo menos escrever por prazer.
É apenas por isso que não tenho tido ânimo para andar por aqui.
Tive os oito anos da Alice e nada escrevi sobre isso, tenho o António com mais uma maleita escolar e nada escrevi sobre isso, tenho um mundo inteiro de coisas sobre as quais gostava escrever macacadas e dissertações profundas e nada escrevi sobre isso, mas o tempo mudará a disposição. Por enquanto, é a falta de tempo que me comanda :)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

o estranho e esquizofrénico mundo dos conselhos

Às vezes é aquele conselho que nos dá a escutar aquilo que queríamos ouvir, que nos faz andar na direcção oposta.
Por exemplo (e regressando aos pouco saudosos tempos de faculdade):
- Hoje não me apetecia nada ir às aulas, dava tudo para me baldar.
- Então não vás, mereces um descanso.
- Achas mesmo que posso faltar?!
E lá ia eu para as aulas, indignadíssima com tão vil conselho.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

conselho (não solicitado) para quem quer começar a escrever

Nada sei sobre dicas de estilo, ou performances literárias. Nada sei de crítica, de revisão, de conselhos sobre narrativa e acção, mas há uma coisinha que sei bem:
Quando se fala muito sobre o assunto e se floreia e se prepara o cenário para que aconteça, quando se faz grandes planos e se sonha em voz alta, geralmente não há grande coisa a acontecer. Por isso, o meu conselho é:
Falem menos sobre o assunto e escrevam mais :)
E agora que penso nisto com elevado grau de profundidade, vale para quase todas as tarefas.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

chuteiras e outros ópios jornalísticos e do povo

Não é, de todo, a euforia colectiva em redor da morte de Eusébio que me incomoda. Há muito que, a uma distância de aparvalhamento necessária, desisti de tentar compreender a paixão futebolística que move gentes e faz palpitar corações. Sei que existe e que move massas. Sei que há pessoas que preferem não ter dinheiro para comer, mas ter dinheiro para seguir o seu clube para um país distante e se isso lhes enche o bucho de felicidade, resta-me a inveja de não ter assim uma paixão que me alimente o estômago.
Não é, de todo, o número de pessoas que se apinhou em redor do caixão e na segunda circular e no cemitério que me incomoda. Afinal de contas, as paixões são para serem levadas a sério.
Também não vou fazer comparações entre escritores não homenageados devidamente pelo povo e um jogador de futebol, pois são realidades que me parece cretino querer comparar. O povo, o nosso povo, será sempre mais futebol do que letras e isso não vale a pena negar, nem criticar.
Aquilo que, de facto, me incomodou foi ver o boçal gado apinhado em redor do caixão, tirando fotografias. Foi perceber que, para eles, não estava ali um homem sem vida, mas uma realidade para mais tarde recordar e partilhar nas redes sociais.
Aquilo que, de facto, me incomodou foi ver o aproveitamento político do corpo sem vida de Eusébio, ouvindo Seguro prestar declarações, Passos lacrimejante, em frente ao féretro, A Presidente da Assembleia da República falando em orçamento para o Panteão. Aqui sim, surge-me a pergunta incontornável: Prestará o Estado tão grande homenagem a vultos menos populares, até do desporto, sim, porque nem só de futebol vive o desporto português, quando daí não lhe advierem vantagens de popularidade?
O que realmente me agoniou foi ver a cobertura mediática, desde grandes planos do rosto sem vida, ao caixão a descer à terra. Momentos que não são de Big Brother, nem de reportagens em directo, mas que os jornalistas, provavelmente explorando a situação de fragilidade/humildade familiar, esmifraram até ao tutano, em seis horas de directos de coisa nenhuma de interesse público, pois a morte de uma pessoa, naquilo que tem de mais frágil e íntimo, não é coisa de tele-espectadores e audiências.
Também me apercebi que muita gente privou com Eusébio. Não há praticamente ninguém que não tenha uma historieta qualquer para contar sobre como se cruzou com ele no metro, na tasca, no bairro. Mas isto não é privilégio do Pantera Negra, é tique comprovado das pessoas em geral.
Quanto a mim, lembro Eusébio, fundamentalmente, por ser de uma altura em que os futebolistas não usavam pochete, nem laca no cabelo e que se limitavam a jogar à bola, mais por paixão do que por ordenados milionários. Mas isto também sou eu com inveja de não ter um ordenado milionário :)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

cinema paradiso



Volto a este filme vezes sem conta, talvez para não me esquecer que os filmes, tal como alguns livros, podem ter o poder de nos salvar uma e outra vez, do que quer que seja que necessite de ser recuperado, até ao fim do tempo.
Por regressar a ele tantas vezes sei que o Cinema Paradiso é o mais intemporal dos filmes da minha vida.
Hoje em dia, sinto que a maior parte do cinema é feito para que não tenhamos tempo de pensar, com efeitos especiais, 3D, cenas de cortar o fôlego a cada segundo. Os filmes são planeados para que pensemos cada vez menos, para que nos amorteçamos a cada cena. E eu tenho saudades dos filmes que, na sua sublime simplicidade, têm o mágico poder de me fazer pensar e reconhecer o caminho para dentro de mim própria.
Tenho saudades disso e de ir ao cinema fora dos Centros Comerciais.