quinta-feira, 24 de maio de 2012

Em Construção

Sou uma pessoa mais básica do que refinada.
Se vejo uma tela branca. Vejo uma tela branca. Não teço considerações em redor do nada.
Se vejo um quadro com riscos, não me detenho a tentar encontrar o sentido da vida e a chamar-lhe arte. Vejo apenas riscos e avanço, em busca de um quadro que me diga qualquer coisa. Como por exemplo, que o seu autor tem mais aptidões artísticas do que o meu filho de 2 anos.
Se vejo um filme, cuja crítica enaltece e põe nos píncaros e se esse filme me faz dormir, eu não consigo dizer que é um filme brilhante, só porque uma mão cheia de críticos o entende, ou porque é de um realizador mítico, cujo nome vem antes do título (se bem que tenho essa tendência com os filmes do Clint Eastwood, mas ando a combatê-la com alguma convicção).
Se os meus filhos se portam mal, eu reviro os olhos e digo que estou cansada de os aturar. Não tento justificar o seu comportamento com teorias pedagógicas sobre o desenvolvimento infantil, ou desculpá-los alegando etapas pré definidas pela pedo psicologia. Todos os putos são chatos de vez em quando, ou muitas vezes.
Se vejo um prato maravilhosamente bem decorado com uma ervilha, salpicos de molho, uma meia laranja e um cubo microscópio de carne, não vejo comida e não tenho vontade de comer uma coisa que deveria estar na parede de uma sala de exposições.
Se leio um livro em que tenho que voltar atrás dez vezes, ou relê-lo para entender a mensagem, atiro-o para a pilha de livros a doar à biblioteca, sem qualquer remorso.
E se não era tanto assim antigamente. Agora estou cada vez mais assim. E estou mais chata, terrivelmente mais chata e rabugenta.
Também ando a tentar combater a falta de paciência que me invade com quem tenta tirar sentido da tela em branco, ou com quem tem orgasmos múltiplos com um prato de haute cuisine. Juro que estou em francos progressos quanto a isso. Mas às vezes esqueço-me de que as pessoas não são todas a preto e branco e que o que faz chorar umas, faz rir outras e que o que comove outras tantas, a outras nem sequer belisca.
Sairmos de dentro de nós e sermos tolerantes com as visões alheias, é do mais democraticamente social que existe e eu ando a tentar. Tento e falho, tento e falho. Mas qualquer dia destes tentarei e terei sucesso, tenho a certeza.

4 comentários:

Melissa disse...

olhaí a introspecção, pá!

Naná disse...

Acho que não estás chata e rabugenta. simplesmente não tens tempo para perder com coisas que não te interessam e isso acontece um pouco com todos nós.
Por exemplo, eu cada vez sou menos intolerante com quem vê doenças e maleitas em todo e qualquer órgão ou nesga do seu corpo, como quem está prestes a morrer de um furo na tripa cagaiteira

gralha disse...

És uma australopiteca adorável :)

Anónimo disse...

O meu marido diz que o preocupa - a viver há 10 anos em Portugal - que já não lhe faça impressão um carrada de coisas que o deixavam impressionado, mas no mau sentido. Preocupa-o por achar que pode ter absorvido certos comportamentos e é possível que até os reproduza.
Isto faz-me rir mas se me ponho a pensar bem... a nossa tentativa de melhorarmos como pessoas às vezes é mais básica do que nós. E quando deixamos de querer melhorar, pior se achamos que já somos do melhor, é quando estamos mais lixadinhos.
Todos deviamos ser seres em construção...