E de repente uma saudade imensa de quando me perdia horas a fio nas páginas de um livro. De quando passava os dedos pelas capas do Gabriel Garcia Marquez e prometia a mim mesma que leria tudo dele, tal como lera tudo da Isabel Allende.
Também me lembro quando jurei ler tudo que conseguisse ler de Tolstoi e Dostoievsky, cada conto de Tchekov com uma espécie de beatude, de braços abertos para cada mundo, sentindo as diferenças que o simples facto de nascer num certo país imprimia nas letras de quem escrevia.
Não tinha limites, horários, quebras à minha vontade. Era dona de mim e do meu tempo.
Hoje já não procuro nas livrarias os livros mais escondidos, vou aos escaparates, aos últimos lançamentos. Hoje o tempo já não me pertence e tenho que fintá-lo, ganhá-lo, lutar por ele quase com fúria.
Hoje já não me posso perder nas páginas de um livro mais difícil, mais intrincado, pois cedo ao cansaço da rotina. O meu espírito pede qualquer coisa que não mace, que não canse, que não dê luta. O meu espírito é agora um pouco menos meu e mais dos outros e assim me entrego à saudade de quando procurava as páginas mais escondidas nas prateleiras menos visíveis. Assim cedo à saudade de mim.
Apesar de odiar guardar coisas só porque sim, há uma peça de roupa da qual não consigo desfazer-me. Uma velha e gasta camisa de noite, larga e gigante repleta de livros e de letras que dizem:
"Book Lovers Never Go To Bed Alone".
Agarro-me a essa frase com a certeza de que um dia voltarei a resgatar o gosto pela leitura, pela boa leitura.
14 comentários:
Sabes que a cama, nos momentos antes de dormir, è hoje o ùnico local onde consigo ler. È um ritual que perdi durante alguns anos mas que recuperei durante o ano que passou. Mesmo que não leia grandes e intrincadas obras literàrias, não deixa de ser importante fazê-lo. E è mesmo bom!
E poder passar horas perdida numa livraria, a cheirar aquilo tudo?
Mesmo assim, por agora, não me posso queixar, consigo meia horita de leitura todos os dias.
Eu, que agora passo o dia e parte da noite a ler e/ou a escrever, já me dei por vencida: não estou a conseguir ler. Nada, praticamente nada. Tenho uns 4 livros começados... :-( No tempo livro prefiro não pensar em nada, ou ver TV - simples e sem ter que puxar por neurónios - ou dormir. E isto está com tendência para piorar... :-(
Quanto a ti, claro que vais ter esse prazer de volta! As crianças crescem ;-)
Bem, como já disse várias vezes, dou graças a Deus por ter tirado Literatura, porque me deu a oportunidade de ler coisas boas enquanto tinha cabeça. Desde que comecei a trabalhar em tradução a ritmos alucinados que só consigo ler coisas rápidas (pelas quais tenho todo o respeito do mundo) e releguei a literatura para os contos.
Desde que nasceu o Gabriel, mal leio os livros rápidos. Dá para dizer que os livros amantes de Melissa vão para a cama sozinhos.
Este texto podia ter sido da minha lavra se eu conseguisse escrever tão bem:tenho tantas saudades de ter o meu tempo, sem concessões a todos os que me rodeiam...Ler até me fartar, sem prazo para refeições ou outros encargos...E aviso : não é o facto de os filhos já serem independentes que nos volta a pôr nos eixos de outrora, há uma atitude que se perde na assistência a tempo inteiro, ficamos vocacionadas para momentos mais ligeiros, sem coragem para enfrentarmos mais do que contos que tenham «vida» curta.
Uma horinha pequenina e um encontro a nunca esquecer com o benjamim da família!
É mesmo, mesmo isto. É mesmo fintar o tempo. As minhas maiores fintas acontecem dentro de um comboio, entre Braga e Porto. Mas por vezes, também ali, o cansaço pesa.
Ai Miguel com o cansaço crónico que sinto já nem isso consigo fazer, aliás, nem no poleiro! Mas sei que vou voltar ao activo.
gralha nem me fales. Eu já não sei o que é andar perdida numa livraria sozinha, sem pressa.
Nestes últimos meses de prenhice simplesmente estupidifiquei.
Precis isso acontece-te porque estás com grande actividade cerebral e quando páras precisas de descomprimir o miolo. Já eu ando com actividade cerebral ZERO, essa é que é a tristeza...
Melissa eu acho que quando eles forem maiores nós vamos voltar em grande força. Aliás tenho a certeza que a partir dos 40 vou voltar em grande :)
Eu também li muita coisa boa graças a Deus.
mariana muito bem vinda, mas por favor não me digas que quando eles foram mais independentes não nos recuperamos um bocadinho. Tenho que acreditar que sim, que vou voltar a ter um bocadinho de mim...
Sara é mesmo isso, até nos poucos momentos a sós nos faltam as forças para recuperar o tempo perdido...
Vou roubar-te a frase ;)
Padeço do mesmo mal, agora leio 2 livros por ano um nas férias grandes outro nos restantes 11 meses e e!!
Ando a ler o Crime e Castigo do Dostoievski há meses apesar de ser uma leitura que prende e entusiasma mas há sempre mil afazeres e obrigações e os meus pequenos prazeres têm de ficar suspensos. Também tenho saudades das horas perdidas sem dar conta a ler, a escolher livros na livraria...
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