Estou de gatas, não é de rastos, é de gatas mesmo. Não aguento mais andar pelas ruas de Cascais com o carrinho e a Alice de mão no bolso de trás das minhas calças. Não estou a exagerar, hoje senti que se desse mais um passo me desfazia num monte de ossos na estrada.
Tive que ir aos Correios buscar uma carta registada e o parque onde costumo deixar o carro estava fechado para obras, parei num sítio com parquímetro e percebi que não tinha moedas, abri a porta do carro e a porta raspou no passeio, ficando literalmente presa no chão, devido à inclinação, só consegui desencravá-la a pontapé. Tirei cadeirinha, ovo com António, Alice e fui à procura de um café que me destrocasse uma nota para o parquímetro (zona vermelha), ao descer o passeio na passadeira, a cadeirinha encravou na grelha de esgoto mesmo sobre a passadeira e a Alice tropeçou no gigantesco passeio que antecede essa merda chamada passadeira portuguesa, do outro lado da zebra uma árvore descomunal, abarcando toda a extensão de passeio e bloqueando a passagem, entre socalcos e buracos lá contornei a árvore, só para cair noutro buraco na calçada. Consegui chegar ao café onde me trocaram as moedas e lá empreendi o caminho de volta até ao carro, já com o senhor da Emmel a subir pela rua e a espumar com uma erecção só de ver um carro sem papelinho (o meu). Lá fui de novo até aos correios, tendo que dar uma volta de quilómetros até encontrar uma zona onde pudesse subir com a cadeirinha e quando finalmente vi o conteúdo da carta registada, era uma conta para pagar. Arrasto-me de volta e a Alice diz-me que quer dar uma voltinha por Cascais. Respiro fundo e digo-lhe que sim e lá vamos nós sobre passeios que terminam abruptamente, calçada rebentada e esburacada, inclinações súbitas, onde tenho que andar com a cadeirinha em duas rodas, carros mal parados, um vento ciclónico, buzinas. Um ambiente agressivo, onde é impossível passear-se com prazer, é uma prova de obstáculos pura e simples, finda a qual, a força para repor o ovo no carro e a cadeirinha no porta bagagens simplesmente desapareceu. Só queria sentar-me na beira do passeio e desmaiar.
Nunca fui de andar a dizer mal de Portugal a torto e a direito, mas nestas alturas odeio viver cá, a sério que odeio.
Ontem na loja para crianças Imaginarium, no chão bem no centro do espaço, brinquedos empilhados em exposição, dirigi-me à empregada da loja e disse-lhe que afastasse aquilo dali, que queria passar e não conseguia. Se entrasse ali alguém de cadeira de rodas, como seria?
Ela lá afastou aquela ideia de génio do meu caminho, mas teve que me ver bufar centenas de vezes de cada vez que esbarrava em alguma coisa.
Odeio as nossas lojas, odeio a nossa calçada, odeio a falta de infra-estruturas a pensar nas pessoas com constrangimentos motores. Nada é fácil aqui, nada e eu estou cansada. Cansada ao ponto de começar ao pontapé a tudo o que esteja no meu caminho.
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 1 mês
25 comentários:
Tens razão a maioria das terras não têm condições, para se passear e menos ainda para se andar com um carrinho de bebé. Cascais com aquele movimento todo é de se fugir.
AnaCê, já tens a tua prole de novo reunida.
Tens razão a maioria das terras não têm condições, para se passear e menos ainda para se andar com um carrinho de bebé. Cascais com aquele movimento todo é de se fugir.
AnaCê, já tens a tua prole de novo reunida.
Revi-me tanto neste teu desabafo. Os carrinhos, as mãos que se escapam, as raízes das árvores a erupcionarem-se do passeio, ou então as crateras das eternas obras inacabadas que estão sempre presentes. E podia continuar.
O que devia ser um prazer - levarmos os nossos filhos a passear, ao ar-livre, acaba transformado numa corrida de obstáculos, numa prova de stress, em tudo o que não devia ser...
Todos temos dias não. dias em que dizemos Basta de ser compreensivas. Parece que o nosso (ainda por motivos diferentes) chegou hoje.
beijos em todos
É os passeios arrebentados por causa das raízes das árvores que fazem as pessoas mais novas, mais velhas e crianças tropeçar... um sem fim de coisas que os politicos fingem não ver... enfim como te compreendo! bjs
Das ruas já nem falo, que me canso... As lojas com corredores onde não cabe o carrinho do bebé irritam-me imenso. Parece que não querem que lá entremos, quando nós somos as melhores clientes! Bjs
isso é tudo verdade,onde estão os autarcas?E em Cascais peloamordedeus e para ajudar á festa não havia cócó de cão? De certeza que sim,e eu acrescento----Este país não é para deficientes motores,invisuais......etc,parabéns pela maneira como descreveu este«passeio»
Ora eu não podia conocrdar mais contigo! Eu não vivo aí; vivo num sitio que parece que foi totalmente construido para bebés e crianças. Os passeios são lisos, sempre que há uma passadeira há rampas dos 2 lados da estrada, todos os estabelecimentos têm fraldário, em cada canto há um jardim, um parque infantil. Quando vou aí a Portugal vejo tudo o que referiste e muito mais. Ainda temos muito a aprender, muito a andar!
É verdade, mesmo. O centro de Lisboa também é assim, eu moro no Parque das Nações e sou super fã exactamente por isso, é muito muito bom para crianças, passeios largos sem obstáculos, jardins etc etc. Acho que dentro de Lisboa (e eu adoro o centro de Lisboa, mas é para ir e voltar) é a zona onde se consegue ter qualidade de vida.
Este retrato de Cascais é infelizmente um retrato da maioria (todas?) das nossas cidades. Nada é pensado para quem mais precisa, e é pena porque a evolução de um povo se vê também pela forma como as crianças, velhos e deficientes são tratados.
Temos, de facto, um longo caminho pela frente.
Que grande odisseia!
Um passeio que podia ser tão relaxante, vira um filme de terror.
Tens muita, muita razão. Mas há uma coisinha que ajuda chamada marsúpio.
Pensei nisso ontem quando vi uma senhora com as pernas todas entrapadas a ter que sair da sua cadeira de rodas e descer as escadas do metro, indo o marido com a cadeira pelas escadas rolantes... É incrível!
Resta respirar fundo e esperar por dias melhores. Ou, se não, abalar daqui (quando acabar o que cá me prende, vou começar a ponderar o assunto).
Mariinha, nem terras, nem lojas, nem nada. Este país não pensa nos deficientes e é desses que tenho mais pena, porque eu sempre posso pegar no carrinho e ultrapassar os obstáculos à força braçal, agora eles...
mãeee nem mais. É desgastante, não há nada, rigorosamente nada agradável e suave para passearmos aqui perto. Por isso é que há tanta gente enfiada nos shopings.
Poetic Girl a calçada portuguesa é de facto muito bonita e ímpar, mas não é mantida, saltam pedras a todo o instante e assim ficam esquecidas e negligenciadas. Mais valia passeios de alcatrão lisinho e suave como vemos lá fora.
Marina não me fales das lojas que me dá uma coisinha má. Então quando levo pendurados alguns sacos nas pegas da cadeirinha, vou deixando cair tudo à minha passagem. É um inferno!
Conceição, já dissertei aqui muito sobre a caca de cão pelas ruas, nos parques infantis, à porta de minha casa. Cães de raça perigosa/assassina sem açaime, a serem passeados por crianças, enfim, é só mais uma praga a acrescer a tudo o resto que está mal nas nossas cidades. As cidades são cada vez mais nossas inimigas, não são locais aprazíveis.
Maria João, eu já viajei por alguns países, por isso me sinto tão indignada com as dificuldades que se colocam aqui às pessoas com uma cadeirinha de bebé, ou deficientes. Essa simples rampinha no final de cada lado da passadeira deveria ser elementar, mas por aqui fazem questão de meter um gigantesco degrau de cada lado, grelhas de esgoto, passadeiras que terminam em estacionamentos, que terminam numa árvore, enfim, é um pesadelo e acredito que quem viva durante algum tempo num país mais amigo dos peões e que até tenha prazer em andar a pé na cidade, chegue aqui e fique traumatizado...
Lucia, sim o Parque das Nações tem zonas amigas dos peões sim senhora, confirmo. Só a maioria dos prédios é que tem escadas e escadas à entrada, mas enfim, nada é perfeito...
Mara, sem dúvida que um país se mede e muito pela forma como trata velhos, crianças e pessoas com incapacidades. Ser uma pessoa normal por estas bandas é dificil, ser uma pessoa com dificuldades é heróico.
Anna eu já me mentalizei que não há passeios relaxantes, só na ciclovia...
gralha, achas que um deficiente físico também pode andar de marsúpio? :) E esta hein?
Comigo o Marsúpio serve para ir ao supermercado e conseguir empurrar o carrinho das compras e mesmo assim fico entrevadinha das costas...
Precis eu vou dar-te um conselho de amiga: Pira-te daqui, vai ser valorizada para outro sítio qualquer. Tudo aqui é uma luta, porque é que pensas que os nossos craneos fogem?
Lá fora oferecem todas as regalias a quem tenha valor intelectual, cíentífico, etc., aqui têm que andar a pedinchar bolsas miseráveis, a gritar por reconhecimento. Somos tristes.
É por essas e por outras que o carrinho está no carro do pai e que raramente sai de lá
A !ª vez que sai aqui perto de casa com o carrinho jurei para nunca mais A não ser que as minhas costas não aguentassem o sling - esse sim, é o meu salvador, ou duvido que passeasse tanto com ela!
Ninguém pensa em cadeiras de rodas e muito menos em carrinhos de bebé!
E ires à Marina de Vilamoura, com um carrinho e um pai de cadeira de rodas, entrares porque a cancela estava aberta e... teres de pegar na cadeira e no carrinho para passares por cima da corrente? Porque o passeio tem umas barras para as pessoas "normais" passarem no meio delas!!! E os passeios têm alturas médias de 20cm, o que faz um passeio ser uma ida ao ginásio e levantar muitos pesos!!! Que raiva me deu!!! Apeteceu-me chamar a polícia para nos desbloquear o caminho! E a TVI!!! E a SIC!!! E o Presidente da Câmara e respectivos Engenheiros e dar-lhes um murro nos tomates!!!! Cada dia gosto mais de viver onde vivo! E não é Portugal, com toda a certeza!!
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