Sempre gostei de imaginar o meio dos algarismos inscritos nas campas.
"Entre o começo e o fim" é como chamo a tudo o que viveram os que repousam ali naqueles lugares de culto.
As frases inscritas na pedra, tentando perpetuar sentimentos. As fotografias gastas em que se vislumbram rostos sorridentes, nostálgicos, jovens, velhos.
A minha imaginação voa de cada vez que passo os portões de um cemitério e sinto desde a ponta dos dedos ao mais fundo de mim, todas as vidas que terminaram ali de uma forma absolutamente avassaladora.
Sei que já ali não vive nada, mas o peso dos que ficam cobre tudo de uma forma única.
O cemitério onde senti maior simbiose entre a vida e o final dela foi aqui na Cornualha (St. Ives).
A natureza que nos engolia os sentidos, o cheiro a mar salpicado de verde acalmavam certamente os que haviam perdido alguém naquele lugar.
E pensei como todos os sítios de repouso deveriam ser exactamente assim, sem necessidade de flores sobre as lápides, pois tudo em redor delas era uma homenagem, um convite à lembrança serena, à reflexão, àquela saudade de sabor agridoce.
Lembro-me perfeitamente de me ter sentado ali e de não ter experimentado nenhuma das sensações pesadas dos outros cemitérios rodeados de muros de cimento, de jazigos, de flores plastificadas. Aqui tudo estava no seu devido lugar e a morte essa tenebrosa inimiga, sentida como parte da vida.
*Completa e absolutamente inspirada por
este texto.
11 comentários:
passatempo no MAÇÃ E CANELA!:) BEIJOOO
O lugar é lindíssimo, mas eu vejo exactamente da forma oposta à tua: e precisava de ficar mais feio com as lápides? Mas concordo que tem de haver um lugar para a despedida e que se tem de pensar nesses lugares; só não acho que deva haver a "perpetuação" física da morte.
Seja como for, isto faz-me pensar em mortes e mortos. E não quero pensar em perdas.
O teu menino está quase a fazer dois meses ;-)
Precis ele faz hoje 2 meses ;)
Quanto ao resto, penso como tu. Odeio imaginar-me debaixo da terra (que mórbido meu deus), quero ser cremada. Mas a realidade é que estes rituais existem e não podemos fingir o contrário. Os britânicos têm o dom dos cemitérios pouco deprimentes, cheios de verde...
Precis que mãe desnaturada. Não faz nada hoje dois meses, faz dia 4 ;)
Ai Ana... arrepiei-me do início ao fim a ler este post, porque também eu não consigo passar indiferente por um cemitério...
beijinhos...
o meu marido veio ler o teu texto... e adorou! conversamos, agora mesmo sobre ese tema... inspirados por ti!
só para saberes... lol...
beijocas
Das coisas que mais gosto em Inglaterra são os cemitérios nos jardins das igrejas. Acho tão bonito.
Há um cemitério romano/celta aí ao pé da tua terra, com várias cruzes assim, como essa. Muito giro mesmo.
Cemitério celta não, com cruzes celtas. Arre que até doeu.
É um pouco como os cemitérios norte-europeus e americanos: jardins, relva e apenas uma pequena cruz ou lápide. Nesses espaços as pessoas estão mais perto da memória dos que partiram e eles, os mortos, acabam por estar bem integrados no vida dos vivos! Nada como os nossos austeros e fechados cemitérios. Os nossos cemitérios são "ghettos"!
Parabéns pelos dois meses ;-) (e eu sabia que era dia 4).
Também não gosto nada dos nossos cemitérios...para mim todas aquelas campas, as flores e tudo o resto são a contradição viva do que se prega nos altares.
O Deus em que acredito não acha bem que se venerem tanto os restos de um corpo...ele deve ser importante e devemos cuidar dele enquanto somos vivos, a partir daí não lhe vejo qualquer sentido.
Mas gosto muito de recordar os que partiram, de preferência junto ao mar.
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