domingo, 26 de janeiro de 2014

Merecemos sempre melhor e as queixas de bastidores

Há cerca de um ano que os duches da natação da Alice não funcionam correctamente. Ora projectando água a escaldar, ora a ferver. Não se consegue temperar a água. Não existem suportes para o chuveiro e os manípulos aguentam-se cerca de cinco segundos, antes de cortarem a água.
Nos duches, os gritos das crianças que são escaldadas, ou congeladas, são o pão nosso de cada dia e as queixas repetidas das mães nos balneários são a banda sonora dos meus fins de tarde, duas vezes por semana.
Há cerca de um ano que me queixo na recepção do complexo desportivo novo, onde pago uma mensalidade para a minha filha aprender a nadar, e obtenho a resposta delicada de que estão a tratar disso, que é preciso orçamentar e chamar técnicos e partir paredes e, juro, que qualquer dia estou a ouvir que é preciso comissão de apoio e de inquérito e estatísticas e estudos de impacto ambiental para substituir uma merda de umas torneiras.
Depois de já ter reclamado por escrito, numa espécie de pré-aviso ao livro de reclamações, sexta feira passada saltou-me a escassa carica que ainda possuía e pedi o virgem livro de reclamações. A directora do complexo tentou dissuadir-me, mostrou-me as caixas com as torneiras novas que já tinham chegado e que tratariam do assunto ainda na semana seguinte, mas fui irredutível e sob o olhar da minha filha pequena, surgiu ali uma discussão que atraiu atenções e fez virar cabeças.
Ela respondeu-me que me daria mais trabalho a escrever no livro, do que lhe daria a ela responder à reclamação.
Eu disse-lhe que estava bastante enganada, que podia ficar ali a escrever a noite inteira.
Mas foi quando a senhora me disse "Mas mais nenhuma mãe ainda se queixou", que se fez luz no meu pálido cérebro, em relação ao material com que são feitas a maioria das pessoas.
As mulheres que suspiravam e se queixavam e ameaçavam, só o faziam nos balneários, nos bastidores, entre dentes.
E isto vale para uma imensidão de coisas no nosso país.
Por isso, quando voltou a ressurgir o tema das praxes, depois da tragédia no Meco, e depois de o meu primeiro pensamento de asco ter ido para aqueles que se vestem como feiticeiros e exercem poder sobre os novatos, humilhando-os, numa espécie de exercício de masturbação sado masoquista, para inflamar o pouco que possuem a nível de neurónios, a minha reflexão recaiu sobre os jovens que se sujeitam a isto e que assinam termos de responsabilidade para poderem ser humilhados sem barreiras, em fins de semana grotescos, organizados por seres acéfalos que sonham estar nos SEALS, ou em organizações secretas ao estilo americano, mas que estão na merdaleja de cima.
A Alice assistiu ao meu protesto, primeiro com alguma timidez e depois com um sorriso. Ela sabia que eu tinha razão e quando temos a razão do nosso lado, não há argumentos que a deitem abaixo.
Devemos sempre, mas sempre rebelarmo-nos, sem pudor, quando aquilo que nos fazem não está de acordo com aquilo em que acreditamos, ou que merecemos.
Pais deste mundo, não produzam exemplos de cobardia, de acomodamento, de timidez, quando toca a defendermo-nos e aos outros de injustiça.
O que é que terá passado pela cabeça destes jovens que morreram no mar (e sabe-se lá de mais quantas centenas escondidas por estes acordos patéticos e senis de comissões de praxe) para abdicarem da sua dignidade, para pensarem que mereciam passar por toda a sorte de humilhações idiotas para subirem na hierarquia de coisa nenhuma?
Não é tanto os medíocres seres que se mascaram de Harry Potter e gritam, cuspindo-se enraivecidos, para os estudantes novos. Não é tanto os idiotas que me assustam, porque o mundo está repleto desses pequenos seres. É sim, todos os outros que se sujeitam aos idiotas, como se não merecessem melhor. Isso sim, tira-me o sono e faz-me querer ensinar os meus putos a jamais se sujeitarem a isto.


*imagem retirada da net

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

humildade.com

Alguém dizia outro dia que a humildade não era necessária para nada. Que ninguém era bom naquilo que fazia à conta dessa católica característica e sei que é verdade, pois muitas vezes, a autoconfiança nas próprias capacidades, a noção de que se é bom a valer naquilo que se faz, é uma gasolina com aditivo para continuar a fazer-se melhor.
E, verdade seja dita, prefiro um bom vaidoso a um falso humilde.
Estes são os factos e as constatações.
Mas nada disto impede que os vaidosos e apaixonados pela sua imagem e desempenho, apesar de viverem num idílio permanente consigo próprios, sejam dez vezes mais irritantes para o resto do mundo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Desaparecimento da face da terra

Tenho andado com tantas coisas para escrever (por obrigação) que nos intervalos apetece-me fazer coisas tão estapafúrdias como rachar lenha, ou derrubar paredes à cabeçada. Apetece-me tudo menos escrever por prazer.
É apenas por isso que não tenho tido ânimo para andar por aqui.
Tive os oito anos da Alice e nada escrevi sobre isso, tenho o António com mais uma maleita escolar e nada escrevi sobre isso, tenho um mundo inteiro de coisas sobre as quais gostava escrever macacadas e dissertações profundas e nada escrevi sobre isso, mas o tempo mudará a disposição. Por enquanto, é a falta de tempo que me comanda :)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

o estranho e esquizofrénico mundo dos conselhos

Às vezes é aquele conselho que nos dá a escutar aquilo que queríamos ouvir, que nos faz andar na direcção oposta.
Por exemplo (e regressando aos pouco saudosos tempos de faculdade):
- Hoje não me apetecia nada ir às aulas, dava tudo para me baldar.
- Então não vás, mereces um descanso.
- Achas mesmo que posso faltar?!
E lá ia eu para as aulas, indignadíssima com tão vil conselho.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

conselho (não solicitado) para quem quer começar a escrever

Nada sei sobre dicas de estilo, ou performances literárias. Nada sei de crítica, de revisão, de conselhos sobre narrativa e acção, mas há uma coisinha que sei bem:
Quando se fala muito sobre o assunto e se floreia e se prepara o cenário para que aconteça, quando se faz grandes planos e se sonha em voz alta, geralmente não há grande coisa a acontecer. Por isso, o meu conselho é:
Falem menos sobre o assunto e escrevam mais :)
E agora que penso nisto com elevado grau de profundidade, vale para quase todas as tarefas.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

chuteiras e outros ópios jornalísticos e do povo

Não é, de todo, a euforia colectiva em redor da morte de Eusébio que me incomoda. Há muito que, a uma distância de aparvalhamento necessária, desisti de tentar compreender a paixão futebolística que move gentes e faz palpitar corações. Sei que existe e que move massas. Sei que há pessoas que preferem não ter dinheiro para comer, mas ter dinheiro para seguir o seu clube para um país distante e se isso lhes enche o bucho de felicidade, resta-me a inveja de não ter assim uma paixão que me alimente o estômago.
Não é, de todo, o número de pessoas que se apinhou em redor do caixão e na segunda circular e no cemitério que me incomoda. Afinal de contas, as paixões são para serem levadas a sério.
Também não vou fazer comparações entre escritores não homenageados devidamente pelo povo e um jogador de futebol, pois são realidades que me parece cretino querer comparar. O povo, o nosso povo, será sempre mais futebol do que letras e isso não vale a pena negar, nem criticar.
Aquilo que, de facto, me incomodou foi ver o boçal gado apinhado em redor do caixão, tirando fotografias. Foi perceber que, para eles, não estava ali um homem sem vida, mas uma realidade para mais tarde recordar e partilhar nas redes sociais.
Aquilo que, de facto, me incomodou foi ver o aproveitamento político do corpo sem vida de Eusébio, ouvindo Seguro prestar declarações, Passos lacrimejante, em frente ao féretro, A Presidente da Assembleia da República falando em orçamento para o Panteão. Aqui sim, surge-me a pergunta incontornável: Prestará o Estado tão grande homenagem a vultos menos populares, até do desporto, sim, porque nem só de futebol vive o desporto português, quando daí não lhe advierem vantagens de popularidade?
O que realmente me agoniou foi ver a cobertura mediática, desde grandes planos do rosto sem vida, ao caixão a descer à terra. Momentos que não são de Big Brother, nem de reportagens em directo, mas que os jornalistas, provavelmente explorando a situação de fragilidade/humildade familiar, esmifraram até ao tutano, em seis horas de directos de coisa nenhuma de interesse público, pois a morte de uma pessoa, naquilo que tem de mais frágil e íntimo, não é coisa de tele-espectadores e audiências.
Também me apercebi que muita gente privou com Eusébio. Não há praticamente ninguém que não tenha uma historieta qualquer para contar sobre como se cruzou com ele no metro, na tasca, no bairro. Mas isto não é privilégio do Pantera Negra, é tique comprovado das pessoas em geral.
Quanto a mim, lembro Eusébio, fundamentalmente, por ser de uma altura em que os futebolistas não usavam pochete, nem laca no cabelo e que se limitavam a jogar à bola, mais por paixão do que por ordenados milionários. Mas isto também sou eu com inveja de não ter um ordenado milionário :)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

cinema paradiso



Volto a este filme vezes sem conta, talvez para não me esquecer que os filmes, tal como alguns livros, podem ter o poder de nos salvar uma e outra vez, do que quer que seja que necessite de ser recuperado, até ao fim do tempo.
Por regressar a ele tantas vezes sei que o Cinema Paradiso é o mais intemporal dos filmes da minha vida.
Hoje em dia, sinto que a maior parte do cinema é feito para que não tenhamos tempo de pensar, com efeitos especiais, 3D, cenas de cortar o fôlego a cada segundo. Os filmes são planeados para que pensemos cada vez menos, para que nos amorteçamos a cada cena. E eu tenho saudades dos filmes que, na sua sublime simplicidade, têm o mágico poder de me fazer pensar e reconhecer o caminho para dentro de mim própria.
Tenho saudades disso e de ir ao cinema fora dos Centros Comerciais.