quinta-feira, 26 de junho de 2014

Esta Selva

Há pessoas que chegam a um novo espaço e observam, medem, mijam os cantos, a fim de marcar território, estudando os rivais. Pessoas que, bem no fundo, são comidas por dentro, na própria insegurança e no receio do seu próprio fracasso.
Há outras que chegam de coração aberto, plenas de esperança no universo e na condição humana e que são mijadas logo no primeiro segundo e só vão sentido a acidez da urina uns tempos depois, ficando à toa, cheirando o ar e não entendendo o porquê.
Outras que parecem pacatas, mas que estão de olhos bem abertos e coração semi fechado. Nada dizem de especial e podem parecer encaixar-se no grupo das mijáveis, mas não dormem e usam galochas anti-mijo.
Podia continuar aqui a enumerar grupos e encaixes ecléticos nesta coisa de viver no meio de pessoas, mas deixo isso para os profissionais do meio, os zoólogos, biólogos e afins, pois que, no fundo, somos todos animais selvagens, cheirando, emboscando, marcando território, escondendo fraquezas, sublimando virtudes.
Tenho a sorte de me ter cruzado já com pessoas normais, com a medida certa de animal selvagem e Homem, mas regra geral a selva está pejada de inseguros mortíferos.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Mais árvores, menos pessoas

A cada ano que passa por este velho galho que é a minha pessoa, percebo que as pessoas são um bicho muito estranho e que as árvores o ser mais perfeito que existe.
Não enveredarei pelo caminho dos gatinhos e cachorrinhos fofos, mas pelos seres que nos dão tudo sem nada pedirem em troca.
Passarei o dia a abraçar árvores :)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Em contagem decrescente para...



Não, não é para escrever mais uma sequela do Jesse e da Céline (infelizmente), nem para rever pela décima vez um dos filmes da minha vida.
Também não é para deitar-me no colo do Ethan Hawke e suspirar-lhe divagações sobre as banalidades da vida.
Mas eu caia já aqui redonda se não tenciono andar na roda gigante :)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

É nas coisas simples mesmo

E hoje, num dia particularmente patético e sem graça, duas coisas tão simples que até assustam trouxeram-me um raio de sol (além do sol propriamente dito, claro):
A minha querida Vânia, da editora do meu livro enviou-me este link
E a minha avó decidiu trazer-me ovos verdes para o jantar.
Agora digam-me se não é mesmo nas coisas simples que reside a felicidade. Só foi pena não ter uma cerveja para acompanhar os ovos verdes, porque de resto o meu coração sentiu-se sobreaquecido.
Espero nunca perder a capacidade de parar para valorizar as entrelinhas.

Ainda não li o livro da cocó sobre a culpa

que as mães sentem desde o útero até ao céu, mas sei que é mesmo assim e que, por muito que saibamos que somos boas mães, há sempre um insidioso complexo na parte de trás da alma que nos tolda o raciocínio.
Não podemos mostrar que nos vamos abaixo, que estamos à beira de um ataque de pânico, de nervos, ou de puro desespero por não conseguirmos gerir a nossa imperfeição.
Não podemos mostrar que somos simplesmente incapazes de fazer o jantar, porque nos apetece ficar a fitar um grão de poeira que se depositou na esquina da parede, ou que não estamos interessadas nos pequenos pulinhos ao pé coxinho que precisam de aplausos.
Não podemos mostrar que, depois de um dia cheio de emoções intensas e de trabalho que nos desgasta o cérebro, não temos mais cérebro para comandar sequer os músculos do nosso rosto para que sorria.
Não podemos mostrar que sentimos saudades de podermos simplesmente ficar tristes, ou doentes.
No meio de todo este turbilhão de culpas ancestrais que nos rege desde os primórdios dos tempos, tropecei nesta bela citação (sim, nem todas são do Einstein a falar de cachorrinhos) e que, de facto me amainou o desespero da culpa:



terça-feira, 10 de junho de 2014

Dos Desgostos de Amor em 2009 e Sempre

Hoje, ao andar para trás no tempo deste blogue,dei de caras com o post que teve mais buscas no Google e que mais pessoas conduziu a este humilde-a-puxar-para-o patético blog. Hoje, ao andar para trás neste espaço um bocadinho esquizofrénico, que nunca seguiu uma linha a direito e que tenho deixado ao abandono por tantos motivos que não mereciam a minha negligência, retomo a leitura das minhas parvoíces e sai-me este post na rifa. Não sei se ainda é aquele que traz mais gente através do Google, pois simplesmente deixou de me importar os feeds e estatísticas de coisa nenhuma, mas sei que é capaz de ter feito algumas pessoas sentirem-se menos sós, por isso aqui fica ele de novo, 5 anos depois e com banda sonora a acompanhar.

Os Desgostos de Amor
Se me perguntarem do que mais tenho saudades no passado não é dos desgostos de amor.
De cada vez que os vejo bem lá atrás, enterrados às três pancadas, bem fundo, ou apenas à superfície sorrio pela paz, pelos dias sem atritos do presente.
Ainda lembro quando a dor me toldava a vida inteira, consumindo-me como uma espécie de sombra que me perseguia em cada música, filme, café, rua, perfume. Nada me trazia o esquecimento, nenhuma conversa era suficientemente anestesiante, nenhum filme suficientemente poderoso, nenhum livro ultrapassava o desgosto sentido bem nas entranhas de mim. Encarar os outros um martírio, explicar o que se passava uma tortura.
Nada, rigorosamente nada me esvaziava daquilo que me enchia o que precisava de espaço. Queria respirar e doía, queria conversar sobre outra coisa qualquer, mas na minha voz apenas habitava o desabafo, queria olhar um espaço em branco, mas tudo se preenchera com a sua imagem.
Os desgostos de amor consomem muito de nós e nada os aplaca além de um dia atrás do outro. Só mesmo o tempo, por muito lugar comum que possa soar, nos dá outra perspectiva de tudo.
Os desgostos de amor são como uma morte ao contrário, como ter que aprender a viver sem alguém que está vivo e ao nosso lado. Enterrar uma pessoa que vive é das tarefas mais hercúleas que se podem dar ao coração e o meu não tem a menor saudade de se sentir magoado



sexta-feira, 6 de junho de 2014

chuva

Hoje chove e as coisas mais importantes não estão.
Hoje chove e tudo aquilo que julgava certo é afinal feito do vidro fino da água.
Hoje chove e o calor insiste em manter-se arredado da minha janela.
Sim, o sol virá, porque é esse o movimento suposto das coisas da terra, que insiste na sua silenciosa agitação, apesar de nós estarmos quietos por dentro. Mas mesmo o sol será pouco para levar embora a água que ficou de tanta chuva.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Páginas Íntimas

"Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.
O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci."

Fernando Pessoa, 'Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação'