O trabalho criativo, por muito idílico que soe aos ouvidos mais poéticos, desgasta, fere, corrói a nossa segurança, pois temos de provar que o somos: Criativos, excelentes, irrepreensíveis.
Num despudorado palco, onde rasgamos a alma através do que escrevemos, somos escrutinados por outros olhares, leituras, julgamentos e, das duas uma: Ou temos aquela segurança de betão e nos achamos os melhores do mundo, apesar de tudo aquilo que acharem de nós, ou metade dos dias andamos na merda.
Os filhos estão doentes: Tens de ser criativo.
Há problemas que te deixam com vontade de hibernar para quase todo o sempre debaixo de uma cama escura? Temos pena, tens de ser criativo.
Estás com sono, porque não dormiste a noite inteira? bebe café que passa, tens de ser criativo.
Estás doente? Tens de continuar criativo.
Não te estás a sentir particularmente criativo? Sai dessa, tens de ser criativo.
E ninguém, tirando os que estão no mesmo palco de prova do que nós, entende isto de termos de mostrar que temos imaginação, nos despimos de nós, damos voz aos personagens em detrimento da nossa própria voz, em detrimento da nossa própria vida pessoal.
Ninguém, tirando os que estão no mesmo banco dos réus, entende isto de termos de provar constantemente o nosso valor, mesmo quando apenas nos apetece babar para o teclado.
Sei que tenho muita sorte por fazer aquilo que gosto, mas fazermos aquilo que amamos tem este lado negro e utópico de termos de ser sempre excelentes e a excelência é uma palavra sobrevalorizada.