Oiço muita gente dizer que é desapegada de bens materiais e, pensando bem, também não me apego muito a móveis, roupas, loiças, não ligo a jóias, nem a muitas dessas coisas que tanta gente tem dificuldade em deitar fora. Desprendo-me de uma peça de roupa com a mesma facilidade com que vou à casa de banho (comparação profunda).
Mas há uma excepção a isto tudo, há de facto um bem material que viaja pela veia da nostalgia que pulsa em mim, de cada vez que tenho que me desfazer dele, um imenso mar de memórias surge em vagas, em marés altas e baixas, até me fazer suspirar. Esse bem material tem 4 rodas mais uma suplente e chama-se carro.
Não é que ligue a grandes carros, nada disso. Mas ligo às recordações que eles trazem e levam consigo.
O meu Renault 5 em sétima mão, que me levava ao liceu e à faculdade, deixando-me tantas vezes apeada, ou com a manete das mudanças na mão. Esse Renault 5, onde ouvia cassetes gravadas de propósito vezes e vezes sem conta, traz-me o melhor dos tempos, os tempos em que ter carro era a minha íntima liberdade. Os tempos em que conduzir pela estrada do Guincho era a melhor terapia para um desgosto de amor.
Depois veio o Peugeot 205, meu querido carro, ainda me lembro do luxo que era um carro com ar condicionado e um rádio Grundig com aquelas barrinhas que saíam para evitar furtos. As histórias que o meu Peugeot ouviu, os desabafos de amigas, o mar, o vidro embaciado pelo frio da noite, as aulas em Lisboa, até a revisão da matéria antes de uma oral.
Seguiram-se os dois Alfa Romeos ronronantes como leões, cheios de estilo que "herdei" do meu pai e que, de alguma forma, simbolizaram a passagem da minha vida adolescente a adulta, não me perguntem porquê.
Depois veio a minha adorada carrinha, com uma mala onde podem dormir à vontade duas pessoas bem esticadas, onde cabe tudo o que decida atirar para o seu interior. A carrinha que nos conduziu ao hospital para os meus filhos nascerem e que nos trouxe de volta uma família maior.
Agora digam-me, como é que é possível não sentir saudades, amizade, nostalgia, por estes amigos que me viram crescer a mim, aos meus filhos, à minha vida?
Por isso, até hoje procuro tantas vezes as matrículas dos meus velhos amigos, na esperança de os reencontrar, vivos ainda e com saudades minhas também.