segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ciclos de Passagem

Perdi a intimidade da escrita, tão catártica quando não somos lidos, tão renovadora quando não queremos mostrar nem provar nada a ninguém que não a nós mesmos.
Perdi a vontade de expor palavras, sujeitando-as a análise, julgamento e medida, quando nada há digno de escrutínio. Quando nada existe além da minha vontade solitária de juntar palavras.
Termos de explicar o que escrevemos, como se o tivéssemos escrito para alguém, arranca-nos a vontade de o fazermos.
Talvez por escrever profissionalmente, sujeitando-me ao constante esventrar de cada letra, raciocínio e frase, talvez por sujeitar-me diariamente à busca pelas falhas que possuo e que se expõem, como feridas abertas, a julgamento de terceiros, tenha perdido a vontade de fazê-lo por prazer. Talvez por a escrita se ter tornado ferramenta de artífice, ganha pão, uso martelo e bigorna em vez de pena, vontade férrea ao invés de deleite.
Não fecho ciclos, mas sei que existem transições. Umas mais serenas do que outras, mas sempre passagens para outra coisa qualquer, onde muitas vezes não há espaço para outra coisa qualquer.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Bruce, minha Bitch



Sim, ficou mais giro em gaja do que em gajo, mas daí até elevar esta capa e respectivo modelo à epitome das coisas relevantes e socialmente importantes da vida, vai uma longa distância.
Aguardo o reality show, que certamente virá, na linha do restante gado Kardashiano, no qual ele agora irá inserir-se com muito mais à vontade (pois que sempre se sentiu deslocado enquanto gajo)a fim de acompanhar a vida relevantíssima deste senhor no devido lugar.
Até lá baixem o nível de histeria colectiva, por favor. Isto não é assim tão importante.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Agarrados

Sei que dizem que procuramos apenas aquilo que nos importa, mas não é bem assim. Quantas vezes procuro coisas que não me importam a ponta de um corno, cedendo apenas àquele instinto pateta de satisfazer o meu lado voyeurista e viciado em vazio?
"Se gostasses não ias ver" é uma frase que todos sabemos impossível. Em certos dias cedo ao cansaço e, sem forças para coisas profundas, percorro Instagrams, facebooks de figuras públicas e não só e fico ali literalmente a entrar na vida dos outros, que abrem as portas das suas vidas, sem qualquer espécie de pudor. E acabo sempre por concluir, salvo raras excepções, que as pessoas padecem de forma severa e nauseante do vício da partilha. Estão completamente agarradas, parecendo sofrer de uma espécie de psicose, provavelmente nomeada já por especialistas, psicose essa que os impele a partilharem em modo compulsivo. É o vício da década. Não é droga, não é bebida, nem tabaco, mas apodrece a vida de uma forma corrosiva, porque já não sabem estar numa esplanada, numa viagem, numa praia a sós, na cama, caraças! Já não sabem estar bem, ponto final. É como se, pelo facto de não partilharem não estivessem a viver aquele momento e isso é claustrofóbico a um ponto que não consigo descrever.
Estas pessoas que padecem deste ET que lhes aterrou no cérebro e o mirrou em certos pontos, não deixam nunca de parar em frente a cada espelho e partilhar a sua própria imagem, tirar fotos a si próprios a malhar, a correr, a comer, a defecar, a pintar paredes, unhas, no corredor do supermercado a comprar feijoada enlatada, partilhar escritos, mofo no canto do tecto, idas à casa de banho, ao parque, passeios de carro, na praia, no campo, no shopping, nos elevadores, nos espelhos, muitos, muitos espelhos e, basicamente na puta que os pariu, partilhando cada, mas cada segundo da sua existência que precisa da confirmação da partilha a fim de o cérebro poder processar que passou por ali.
A sério, sei que devo ao mundo todas as doses de tolerância com que o mundo me brinda a mim e às minhas neuroses e taras, sei que devo ao mundo e às pessoas, doses equilibradas de tolerância e compreensão, mas este fenómeno, caraças, deprime-me à brava e não vejo fim à vista. O que é demais enjoa.
Será que chegou a nós uma nuance nova da palavra solidão? Sentir-se-ão estas pessoas estupidamente sós se não se partilharem nestes moldes?
Acordem. Há vida além dos espelhos, eu garanto-vos. O que procuram, o que buscam nas selfies, o que pensam receber com tanto que expõem?
Sim, Ana C. tolera, deixa de ser idiota, até porque já sabes que vai haver cerca de 120 pessoas que pensam que estás a falar delas, mas não, falo do mundo em que vivemos hoje em dia. É urgente acordarmos. Eu que vou ver as 1234 selfies que alguém tirou durante o dia e quem tira 1234 selfies durante o dia.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

pessoas chatas

Depois de percorrer cerca de dez meias maratonas em torno da minha própria cabeça, concluo que não existem pessoas mais estranhas do que aquelas que não sabem rir e concluo também (ó mente cansada a minha que nada mais conclui nem imagina) que não existe situação mais estranha do que aquela em que dizemos uma piada, iniciamos aquele risinho estúpido e meio histérico e a pessoa à nossa frente nos encara com o olhar mais sério e mais chato do mundo. Depois o nosso risinho vai parando, parando até não restar mais nada do que o silêncio enfadonho de quem não ri connosco.
E assim divido o meu mundo entre as pessoas que percebem uma piada, por mais cretina que seja, e aquelas que se ofendem com a piada, ou pior, mil vezes pior, não a atingem.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Umbiguismo

Quando é que as pessoas começarão a pensar que o umbigo alheio também importa na equação da vida?
Quando deixarão as pessoas de acreditar que todos os umbigos gravitam obrigatoriamente em torno do seu e não nasceram a partir dele, por causa dele, ou contra ele? Existindo apenas por si só.
Quando desligarão as pessoas aquele interruptor que tem de iluminá-las a cada instante, protegendo-as, talvez, das luzes dos outros, que, pasme-se, também podem iluminar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

mães cool

Li ontem um artigo qualquer que debitava dicas sobre como ser uma mãe cool.
Demasiada pressão. Um artigo sobre "como ser mãe", já seria mais do que suficiente, carregarem-lhe com o Cool imprime toda uma nova pressão sobre nós, comuns mortais, que tentamos apenas ser mães.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

culpa

Há muito tempo que tento imaginar-me sem ela.
Tenho-a, sinto-a, desde as entranhas até à ponta da língua e não sei exactamente porquê, já que não existem razões racionais para tê-la, mas penso que isto de nos sentirmos responsáveis por tudo, mesmo por aquilo que não depende directamente de nós, é da condição feminina do princípio dos tempos. Só pode ser.
O dia em que aceitar, mas aceitar mesmo, que não posso ser responsável pelo bom funcionamento do mundo em geral e pela vida dos outros em particular, será o dia em que serei um bocadinho mais pessoa e quem sabe até me lembre de como se respira.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O que me distingue das mulheres com glamour

Aqueles cachecóis/mantas descomunais, axadrezados, quentes e maravilhosos. Porque é que as mulheres com estilo conseguem atirar aquilo sobre o ombro, dar uma reviravolta e ficarem deslumbrantes em cerca de dez segundos e aqui esta mulher simples, das berças da moda, parece sempre que está enrolada numa toalha de banho e acaba com as pontas daquilo a arrastarem pateticamente sobre as poças de lama?
Qual é a arte por trás de tudo isto? Aposto que é um segredo tão bem guardado como dobrar lençóis de elástico, claro.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A Solidão

O trabalho criativo, por muito idílico que soe aos ouvidos mais poéticos, desgasta, fere, corrói a nossa segurança, pois temos de provar que o somos: Criativos, excelentes, irrepreensíveis.
Num despudorado palco, onde rasgamos a alma através do que escrevemos, somos escrutinados por outros olhares, leituras, julgamentos e, das duas uma: Ou temos aquela segurança de betão e nos achamos os melhores do mundo, apesar de tudo aquilo que acharem de nós, ou metade dos dias andamos na merda.
Os filhos estão doentes: Tens de ser criativo.
Há problemas que te deixam com vontade de hibernar para quase todo o sempre debaixo de uma cama escura? Temos pena, tens de ser criativo.
Estás com sono, porque não dormiste a noite inteira? bebe café que passa, tens de ser criativo.
Estás doente? Tens de continuar criativo.
Não te estás a sentir particularmente criativo? Sai dessa, tens de ser criativo.
E ninguém, tirando os que estão no mesmo palco de prova do que nós, entende isto de termos de mostrar que temos imaginação, nos despimos de nós, damos voz aos personagens em detrimento da nossa própria voz, em detrimento da nossa própria vida pessoal.
Ninguém, tirando os que estão no mesmo banco dos réus, entende isto de termos de provar constantemente o nosso valor, mesmo quando apenas nos apetece babar para o teclado.
Sei que tenho muita sorte por fazer aquilo que gosto, mas fazermos aquilo que amamos tem este lado negro e utópico de termos de ser sempre excelentes e a excelência é uma palavra sobrevalorizada.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Dor



Podemos passar os dias a fingir que passou, ou a a dizermos a nós próprios que não tem o direito de nos espreitar em cada fotografia, cheiro, recordação dolorosa, ou feliz.
Podemos passar o tempo inteiro a ignorá-la, ou a remetê-la para um canto de difícil acesso, mas acabará sempre por surgir, imperiosa na sua glória de não poder ser ignorada por muito tempo e quando chega tudo quebra, tudo se esfuma numa névoa pesada que nos cobre de frio. Quando surge, tudo é dela e não conseguimos fazer rigorosamente nada além de esperarmos que decida abandonar-nos.

O John Green é o meu citador preferido, confesso.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tu Pertences a ti



Mais do que a um país
que a uma família ou geração
mais do que a um passado
que a uma historia ou tradição
tu pertences a ti, não és de ninguém

Mais do que a um patrão
que a uma rotina ou profissão
mais do que a um partido
que a uma equipa ou religião
tu pertences a ti não és de ninguém



8.30 da manhã. 4 graus e nem um raio de sol ainda para derreter o frio que sinto desde os ossos até ao fim do caminho.
A M80 passa uma chatice qualquer sem recordações, bocejo e revejo mentalmente o que terei de escrever da parte da manhã. De repente surge o primeiro acorde e o gelo começa, lentamente, a dar lugar à água.