Conheci a
Raquel numa altura um bocadinho louca da minha vida, fomos colegas de turma e cúmplices por pouco tempo no espaço do calendário, mas por uma eternidade no espaço aqui dentro de nós.
Fã incondicional de Robert Smith, vestia-se de preto, usava doc martens e era viciada em coca-cola. Juntamente com a expressão pensativa vinha o sorriso por acréscimo, mas um sorriso que chegava tarde, quando a empatia brotava das nossas conversas e a troca de ideias e paixões se instalara já irremediavelmente.
Era muito sensível, mas uma sensibilidade que fervilhava por dentro. Com ela tinhamos que nos dar ao trabalho de retirar as várias camadas que a protegiam. Como também sou um bocadinho assim, não tive pressa de esperar e ir passando as folhas do seu livro, uma a uma.
Afastámo-nos porque a vida nos afasta tantas vezes das pessoas que nos dizem tanto, mas nunca deixei de pensar naquela rapariga morena, cheia de vida por dentro das suas palavras e de cada vez que ouvia Cure lembrava-me como se fosse ontem e sorria de saudade.
Passados uns anos recebi um telefonema a pedir-me um favor e assim foi, ela veio ter comigo e senti-a um bocadinho perdida.
Desde então perdi-lhe o rasto. Recusei-me a apagar o telefone de casa dos seus pais e passou de uma agenda de papel para o meu telemóvel. Era daqueles números que não conseguia apagar da agenda, por muitas limpezas que fizesse à lista de contactos.
Estes caminhos da internet têm muitas coisas más, mas têm também a magia de nos religar a amigos e a Raquel veio cair de novo no meu pequeno caminho.
Apaixonou-se por um holandês, fez a sua trouxa e rumou com ele de carro para o país das socas, moinhos e bicicletas onde está há 10 anos. Com uma força de vontade arrepiante, aprendeu aquela língua que não lembra a ninguém e terminou o seu curso de psicologia em holandês...
A Raquel é minha amiga e gosto de ter amigos assim, porque gosto de pensar, com muito pouca humildade confesso, que todos nós temos um bocadinho os amigos que somos.