quinta-feira, 30 de maio de 2013

f#*#*-se

O MEC não imagina o quanto o admiro. É cretino, bem sei, pois que isto de ter ídolos ainda presentes aos 37 anos, mais não é do que a prova viva que a adolescência não padeceu completamente dentro de mim. Ainda hei de escrever sobre a importância que este homem, de laçarote e cabelo encrespado, cheio de tiques e de ânsias ao falar, teve na minha juventude, quando sonhava com profissões que nunca segui, ou quando me imaginava a escrever como ele (sim, já que é para sonhar, que se sonhe em grande), mas hoje falarei apenas de um dos legados que deixou:
A palavra "foda-se".
O MEC, de laçarote e estilo impecavelmente britânico, descomplexou a língua portuguesa e ensinou-me que um "foda-se" era uma palavra tão digna de ser dita, ou escrita, como qualquer outra.
O "Foda-se" foi por ele retirado das catacumbas do desprezado calão e utilizado como qualquer outra palavra, sem ####, ou ****, com todas as letras.
É claro que um "Foda-se" dito, ou escrito por ele, não era a mesma coisa do que um "Foda-se" dito por outra pessoa qualquer, mas ainda assim era um "Foda-se", e um sorrisinho nervoso percorria-me sempre o organismo, de cada vez que o ouvia pronunciar a palavra, de cada vez que cumpria o papel de reabilitá-la, de trazê-la ao mundo dos literatos, utilizando-a as vezes necessárias à expressão do sentimento que só um "Foda-se" consegue.
Por isto, obrigada MEC. Foda-se, não sei o que seria de mim sem as tuas palavras :)





Quando o nosso dia é Clint, Clint Eastwood

Os melhores filmes chegam da sua cabeça e as melhores bandas sonoras da ponta dos seus dedos. Aposto que não sabem que ele compõe a maior parte das bandas sonoras dos seus filmes e são simplesmente sublimes. Acompanharam-me em muitas alturas, inspiraram-me muitas palavras, comoveram-me ao temperarem de forma perfeita os seus filmes.
Estou sempre a falar disto, e sei que sou uma espécie de totó das bandas sonoras, em especial as do Clint, mas hoje o meu dia tem sido assim.













quarta-feira, 29 de maio de 2013

vida na fila do pingo doce

Ela tem os dentes cravados no lábio inferior, como se quisesse mutilar-se de fúria. Ele revira os olhos um sem número de vezes, enquanto esvazia o carro do supermercado, sob o olhar impaciente dela.
- Trouxeste as curgetes?
- Mas era para trazer?
O olhar dela tolhe-o de pavor, deixando-o ao sabor daquela espécie de rigor mortis familiar, que lhe trespassa cada músculo do corpo.
O silêncio dela é a mais afiada das facas e ele sabe que a falha da curgete pesará no resto da viagem até casa e, muito provavelmente, no resto do dia.
São quilos de merdas inúteis sobre o tapete rolante da caixa registadora. Quilos e quilómetros de códigos de barras, de mantimentos que nada mantêm, além do saldo negativo, de cheiros, detergentes, iogurtes calóricos, cereais que não são verdadeiramente dietéticos.
Ele deixa de lhe responder, pois sabe que nada do que disser a satisfará. Ela deixa de o olhar, pois é asco que tenta não sentir por aquele homem que se esquece das curgetes e que se esquece constantemente de todas as coisas importantes para ela, e enchem os sacos, um após outro, com gestos afinados por anos de rancor. Ela retira o que acha que não tem cabimento no saco que ele escolheu e reposiciona-o, de acordo com o seu critério meticuloso e superior.
Sinto as veias dele pulsarem. Posso jurar que vi o pescoço aumentar de tamanho, tal o volume de sangue naquelas artérias prestes a estoirar de um momento para o outro.
A conta astronómica é dita em voz alta, a pergunta quanto à posse de um qualquer cartão de gasolina é feita mecanicamente e ele estende os cartões, arruma os sacos no carrinho e deixa-a sozinha, enquanto avança para o estacionamento, ganhando assim uns segundos para se recompor e para achar que tudo é relativo.
Atrás de mim, um casal de velhotes. Ela diz-lhe que ainda vai aproveitar o resto da tarde para acabar de passar as fronhas e os lençóis, ele responde-lhe com um compreensivo: Muito bem, faz como achares melhor e ela repete-lhe que é melhor assim, que depois nunca mais pega nos lençóis. Ele já não lhe responde.
Eu estou no meio, plenamente consciente das vidas dos outros em meu redor. Mais desperta do que nunca, atenta até à ponta dos cabelos, perfurada até à raiz dos meus ossos e feliz, absoluta e rigorosamente feliz por estar sozinha naquela fila de supermercado.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Alerta mães e pais



A propósito deste post, lembrei-me nitidamente daquele dia em que fui ao supermercado com a Alice e, ao entrarmos no elevador, deparámo-nos com uma senhora cujo rabo excedia certamente o limite de peso do monta cargas. A senhora estava virada de costas para nós, oferecendo-nos, naquele espaço confinado e tão atreito a ataques de riso, a visão da sua prateleira.
Eu quase fiz xixi nas calças com o esforço nervoso de não me rir e evitei a todo o custo olhar a minha filha, temendo o pior.
A uma certa altura, já só havia o rabo no elevador, nada mais era importante, nada mais era visível, só aquela bunda gigantesca na minha cara, até que, num impulso infantilóide e parvo, olhei a Alice, só para confirmar que ela estava prestes a desmanchar-se a rir, tal como a imbecil da sua mãe, mas ela estava normalíssima. Falou comigo sobre o bolo que íamos fazer com os ingredientes que compráramos e olhou o rabo, como se fosse o rabo mais normal à face da terra. Ter ali aquele rabo, ou o rabo da Gisele Bundchen era igual para a minha filha e eu rebentei, literalmente, rebentei de vaidade naquele bocadinho de gente que saiu de dentro de mim.
Ela odeia que se goze com alguém, odeia quando ouve piadas sobre o Obama, pela cor da pele dele, odeia que os colegas gozem com outros colegas.
Mas, pensando bem, alguma desta forma de agir, e aqui não vou guardar créditos na algibeira, tem sido estupidamente incutida por mim. Desde minúscula que lhe faço lavagens cerebrais em relação a descriminar colegas por serem diferentes, mais frágeis etc. e desde minúscula que ela me escuta, de olhos arregalados e interesse superior sobre as minhas palavras, como apenas nesta idade nos escutam.
Um dia destes, deu uma reportagem sobre um menino bailarino e ela começou por estranhar, o menino no meio dos tutus e das sapatilhas rosa e de todo aquele universo tão associado às meninas, mas 5 minutos de conversa depois, já tinha percebido que há meninos que gostam de dançar e que o fazem tão bem, ou melhor do que meninas e que não havia essa treta de profissões de meninos e de meninas, muito menos na dança.
Se vos disser que esta é a parte da maternidade que mais gozo me dá, não estarei a mentir, pois sinto que está nas nossas mãos, pais e mães, formarmos pessoas descomplexadas e íntegras. Está nas nossas mãos, sim.
É em casa que oferecemos as bases para a forma como se comportarão em sociedade, como descriminarão, ou não o próximo, e é este gigantesco poder que nos é conferido desde o dia em que nascem.
Não nos demitamos dele, não achemos que é coisa menor, nem o deixemos nas mãos dos outros. Ensinemos os nossos putos a não descriminarem, desde minúsculos, sim?

Ele disse



que o atributo mais sexy numa mulher era a inteligência e eu acreditei.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Toda a verdade sobre os vários primeiros encontros

Podia ser porreira e deixar sobreviver o engodo que existe desde o princípio dos tempos, de que somos mesmo o espanto que aparentamos ser nos primeiros encontros.
Mulheres compreensivas, extasiadas com todos os vossos raciocínios, rebolantes de riso com as vossas piadas, Miss Simpatia com os vossos melhores amigos, irrepreensíveis em todas as variáveis que vos são caras, mas quesefoda, acho que está na altura de ser sincera:
Nós não somos nada disso. Ou, pelo menos, não somos tudo isso para sempre.
E digo-vos mais, não tenho saudades rigorosamente nenhumas dos tempos em que tinha que representar o papel de mulher ideal, para conseguir conquistar alguém. Que exercício cansativo, meu Deus.
Esconder a minha rabugice, insegurança, neurose, vontade de ir à casa de banho, depilação duvidosa, arrotos esporádicos e incontroláveis, é do mais cansativo que existe.
O monstro acabará sempre por vir à tona e, acreditem, tentar recuperar o esplendor dos primeiros tempos é a missão mais frustrante que o ser humano pode empreender.
Tudo isto poderá levar, e leva muitas vezes, a que o homem, pobre vítima enganada, corra em busca de outro qualquer esplendor, da sensação fugaz de ser o centro do mundo para uma mulher, que o aprecia como se mais nada existisse à sua volta, mas, não se deixem enganar, dentro dessa mulher que vos come com os olhos e vos acha o ser mais espantoso da Criação, existe um monstro adormecido, à espera do conforto da rotina para se revelar.
E é isto. A única variante poderá estar no grau de chatice revelada ao longo dos anos, ou no momento mais precoce, ou tardio dessa revelação.

*Inspiradíssima numa entrevista feita pelo Connan a uma comediante sincera como tudo, que chegou a admitir que gostava de fazer amor deitadinha, sem grandes teatros, nem cansaços, cujo nome não me recordo:)

...

Ontem, fui ler-te de novo. Comecei pelas primeiras palavras e senti a gigantesca onda de esperança em cada uma delas, como se cada letra revestisse a força que te enchia o corpo e o espírito.
Não quis continuar, não quis ler mais para a frente de nada, ultrapassar o otpimismo, a energia, a força do começo de tudo. Deixei-te nas primeiras linhas, onde tudo é pleno de possibilidades e os finais podem ser reescritos com as letras dos sonhos possíveis.
Talvez assim o fim nunca se escreva, talvez assim o final possa construir-se diferente, talvez assim vivas ainda, algures numa rua de Paris, escutando um sino a repicar ao longe, enquanto pegas na tua bicicleta e te diriges à Universidade, incógnita, normal, com as tristezas e alegrias de quem vive todos os dias sem pensar no final.
Talvez assim, nada de tudo aquilo que poderias ter prosseguido se perca.
Posso jurar que estavas lá no sábado. Sentada no relvado em frente, seguravas um pacotinho de churros e gozavas comigo, enquanto não fazias o menor esforço para disfarçar os quilos de orgulho exagerado que sentias.

sábado, 25 de maio de 2013

Vou dizer-vos um segredo:

Este blogue trouxe-me as melhores pessoas do mundo e o livro trouxe-me outras tantas pessoas maravilhosas, que me dirigiram palavras muito importantes.
Hoje estive com algumas dessas pessoas e fiquei com aquela felicidade que se sente quando os momentos são praticamente perfeitos.
E, tremendo, com medo de me esquecer de alguém:
Patrícia Tomé, que me levou um ramo de flores amarelas, Vânia Silva, que enviou um exemplar do meu livrinho para a Argentina, a Nasalina, querida, tímida, mas de olhar sensível, a menina que foi com a Vânia e que tinha um sorriso mais do que simpático, a gralha e família bonita, a Patrícia, amiga da minha querida Silvina e a mais do que simpática e giraça Sandra, do blogue Acordo Fotográfico, do qual sou mais do que fã e que decidiu que eu era digna de ser fotografada perto de uma palmeira :)
OBRIGADA por terem feito parecer que eu era alguém importante. Obrigada por terem aparecido na feira do livro.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Um dia depois de o seu livro ter chegado às livrarias

Miguel Sousa Tavares compara Cavaco a Beppe Grillo , esse mítico comediante italiano e diz que para palhaço já temos cá um, Mr. President. E é trucidado por uns, aplaudido por outros, motivo de abertura de inquérito pela Procuradoria Geral da República, a pedido de outro, que decidiu finalmente acordar do seu marasmo e mexer-se, em defesa própria, claro.
Onde está Beppe Grillo que não se insurge contra vil comparação, onde estão os palhaços deste país que, numa luta desigual, tentam fazer rir como Cavaco, mas sem o mesmo êxito?
Depois, para grande desilusão de uns, aplauso de outros e a indiferença de outros tantos, Miguel vem dizer-nos que não tem qualquer tipo de consideração política em relação a Cavaco-político, mas que tem em relação ao Chefe de Estado e eu achei tudo muito bem, tudo lindamente, pois que há coisas que não podemos dizer enquanto figuras públicas, mas que podemos dizer enquanto cidadãos anónimos. Pois que há coisas que todos gostaríamos de ter voz para dizer, mas que estão vedadas aos que têm voz, pois que há chá e falta de chá e quando o chá está presente, é preciso não chamar palhaço em hasta pública. É preciso deixar isso para outras circunstâncias mais íntimas e Nossa Senhora de Fátima sabe disso.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

tal como a música não entra nos ouvidos de duas pessoas da mesma maneira,

os livros não penetram no nosso espírito de forma idêntica.
Enquanto eu posso ouvir Bruno Mars e deixar-me envolver por uma alegria pateta e sem limites, aos ouvidos de outra pessoa qualquer, o mesmo cantor pode provocar crises de hemorroidal e instintos assassinos em simultâneo.
Com os livros passa-se exactamente o mesmo.
Se há pessoas que choram e trocam promessas de amor com Saramago, outras há que jorram rios de baba, provocados pelo sono.
Se há pessoas a quem as letras de um determinado escritor provocam uma imensidão de significados, outras há que as acham pouco cativantes e nenhum interruptor é aceso.
Nenhuma das duas sensações é certa, ou errada, superior, ou inferior. É apenas isso, uma sensação provocada pelas palavras que outra pessoa escreveu.
Até os livros mais consensuais hão de ter algures alguém que não os achou magistrais, talvez porque não os leu na altura certa, talvez porque simplesmente nunca será tocado por aquelas palavras, ponto final.
O que importa é o que um certo livro nos disse, numa determinada altura da nossa vida e isso não tem que ser igual ao que a nossa melhor amiga sentiu, ou ao que o génio da crítica pensou. A relação que temos com um livro é demasiado íntima para ser generalizada.
Há quem faça da crítica literária profissão e há quem sonhe com isso e apelide a sua, suposta e idealmente, humilde opinião de "review", imaginando-se na New Yorker, ou coisa que o valha, mas a realidade é que nada disto deveria importar grande coisa, pois nada disto é universal. Varia de olhos para olhos, de coração para coração, de leitor para leitor e é essa a magia dos livros.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Marquem na vossa moleskine, merdeskine, ou qualquer outro objecto com folhas de papel



De todas as situações patéticas existentes, acreditem que uma das mais acutilantes é estar sentada numa mesinha a ver passar as pessoas e a verificar, mais uma vez, a minha absoluta falta de relevância.
Se quiserem constatar comigo, apareçam, pois que prometo escrever-vos palavras de platónico amor agradecido.
Se não aparecerem, aproveitarei para colocar em dia o meu soninho, fechando os olhos e cabeceando um bocadinho :)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

austeridade

De todas as coisas que me repugnam e que se acentuaram com a crise, a que ganha o Óscar de mais repugnante é a proliferação de entidades patronais que se cobrem do manto da austeridade para oferecerem condições miseráveis aos trabalhadores.
"Queres, muito bem. Não queres, há quem queira".
E assim se pagam ordenados de miséria, se oferecem condições vergonhosas a quem não pode de facto dar-se ao luxo recusá-las.
Não falo dos patrões que não podem de facto pagar bem, falo daqueles que podem fazê-lo e se desculpam com a crise para não o fazer.
É triste constactar a velha máxima de que há sempre quem lucre com a miséria dos outros.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quando é que é suposto

deixar de olhar para o teu blogue, à espera de uma actualização?
Quando é que o cérebro entra em consonância com a realidade e quando é que o coração deixa de parecer que pára, quando me apercebo que não haverá mais actualizações no teu blogue, nem mensagens tuas no meu telemóvel, nem postais teus na caixa do correio?
Quando é que a realidade entrará de forma constante no meu entendimento, que ora se apercebe de tudo, como um tsunami, ora se engana, fingindo que ainda pode acontecer?
Quando é que é suposto?

quinta-feira, 16 de maio de 2013

pergunta:

Exactamente quantos membros tem a família Kardashian?
São todas iguais, reproduzem-se para formar novos personagens para os inúmeros programas, reproduzem-se nos próprios programas, vestem-se de forma semelhante, têm vozes parecidas.
Não há cérebro que consiga estar a par de tanta Kardashian.

Cérebros esféricos

Quando dou por mim a torcer por um jogo do Porto com uma equipa estrangeira, ou quando vejo a minha pequenina filha portista a "torcer um bocadinho" pelos jogos do Benfica, pois que sabe que a mãe simpatiza mais com essa equipa, sei que nós, mulheres, pelos menos as mulheres aqui de casa, jogamos num campeonato paralelo.
Não entra no nosso frágil cérebro a hipótese de ficar em frente da televisão a fazer energia para que uma equipa portuguesa perca. É simplesmente superior às nossas forças. Posso até querer que isso aconteça, mas nunca consigo obrigar o meu corpo a fazê-lo. Acabo sempre a torcer pelos mais fracos, pelos mais tugas, pelos que os meus queridos gostam. E tenho noção de como isto poderá soar patético aos ouvidos dos adeptos profissionais.
Sou a mais falhada adepta de todos os tempos e nem tento sequer começar a penetrar na parte do cérebro masculino dedicada ao futebol.
Não consigo, nem acho que valha o esforço de tentar entender o que os move em momentos de guerra absoluta, de lanças nas mãos, gritando palavras de ordem, cuspindo-se, mijando os cantos do estádio, gastando rios de dinheiro pelo esférico, digladiando-se em palavras e socos psicológicos.
Já cheguei a uma altura da minha vida em que sei que há que aceitar certas coisas sem tentar discuti-las, ou dissecá-las e o futebol é uma dessas realidades.
Não tento entender, não julgo, não estudo, não discuto. Deixai-os nos rituais primitivos, eles têm que sair por algum lado e uma bola sempre é menos catastrófica do que uma guerra :)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Aos maridos de mães a tempo inteiro

Não houve baixas por motivos de doença dos filhos no teu trabalho e houve doenças para dar e vender. Aliás, peco por falta de memória, houve uma baixa, sim, nos poucos meses em que aceitei um trabalho, e gerou confusão.
Não houve stress pela hora tardia a que chegavas a casa, pois a mãe tratava de ir buscar a filha mais velha à escola, muitas vezes com o filho mais novo adoentado e pendurado na anca, debaixo de chuva. A mãe ainda o faz.
Nunca tiveste que dizer que não a um compromisso de trabalho em detrimento de compromissos familiares.
Nunca levaste para o trabalho a preocupação de deixares um filho com febre na escola.
Nunca houve um centro de saúde congestionado por nós, pois não era preciso um papelinho para o trabalho. Um sagrado e difícil papelinho que justificasse a ausência em prol dos filhos.
Nunca houve a sobrecarga orçamental de um berçário, ou de uma creche, nem para nós, nem para o Estado.
Nunca houve uma carência que não pudesse ser satisfeita, um mimo que tivesse que ser adiado por outras obrigações mais importantes.
Não houve um tpc em que a nossa filha mais velha não pudesse usufruir do auxílio da mãe.
Várias foram, e são, as vezes em que as tarefas corriqueiras de dar banhos e lavar cabelos estavam cumpridas quando chegavas a casa mais tarde.
Sobrava espaço para uma história antes de dormir, para levantar-me antes de todos, todos os dias, a fim de preparar os pequenos-almoços e para verificar se ela estava bem agasalhada antes de sair, enquanto limpava o ranho do filho mais novo.
Umas vezes fi-lo com uma sensação da mais completa felicidade por poder fazê-lo, outras tantas vezes com o desespero de que ninguém via nada de tudo o que fazia todos os dias e de que queria mais alguma coisa. Tal e qual como num trabalho normal, mas sem a parte do ordenado, nem do subsídio de férias. Aliás, até sem o abono de família que desapareceu do mapa.
O meu trabalho diário é tal e qual como um trabalho normal, mas com a característica acrescida do amor e da ausência de folgas e férias.
Por isso, quando chegar o dia em que se celebram as mães, quando chegar a merda do dia em que se oferecem prendinhas e merdinhas, perde a cabeça e diz-me que sou a melhor mãe do mundo, enquanto me preparas o pequeno-almoço.
Posso até estar longe de ser a melhor mãe do mundo (só Deus sabe como padeço de histerismos e faltas de paciência e como sou a maior chata à face da terra, sim), mas sou a mãe que torna a tua existência mais suave. E é isto. Hoje, 10 dias depois dessa merda desse dia em que se celebra o trabalho mais nobre do mundo do amor, deixo aqui este manifesto a todos os maridos de mães a tempo inteiro.
Não nos fodam (sem ser no sentido literal).

*Não serve o presente texto para insinuar que não tenho alguém excelente a dividir a tarefa da criação comigo, serve apenas como auxiliar de memória futura a todos os maridos de mães a tempo inteiro.



A importância do You

Chateia-me a distinção entre o você e o tu. Cada vez mais me apetece tratar as pessoas por "tu", mas fico sempre naquele limbo do não saber se melindro, se abuso, se sou inconveniente, ou demasiado à vontadinha.
É que, se para uns, não há cá confianças, não te conheço de lado nenhum, a distância é boa e eu gosto, eu tenho um doutoramento e tu não, eu sou Professor Doutor e tu és só dr., eu estou cá em cima e tu nem por isso, eu tenho 80 anos e tu 30, para outros, aqui me incluo, há muito que tudo isso não passa de um jogo de adivinhas maçador.
Vai daí, tomei uma decisão radical:
Passarei a tratar toda a gente por you. O you é a designação mais perfeita de todas as línguas e deveria ser importada com a urgência de um medicamento raro e necessário à cura do pedantismo nacional.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Angelina Bonita

São mais do que muitas as emoções que a notícia da Angelina Jolie suscitou dentro de mim. Primeiro a estupefacção, depois a reflexão e finalmente a admiração.
Gostava de perguntar a alguém que tivesse feito uma mastectomia por causa da puta do cancro, se tivesse tido a oportunidade de prever, com quase 90% de certeza, que iria contrair cancro da mama, se teria feito o mesmo.
Estou desconfiada que sim, mas não posso jurar.
Uma coisa é certa, ela viu a mãe lutar contra a puta do cancro durante 10 anos e o cancro não é uma doença como as outras, não é. É cruel, devastador, contamina vidas, cria esperança, destrói esperança, reaviva esperança, mata-a de novo e jamais deixa a pessoa doente e as pessoas que a amam incólumes.
Penso que já tinha ouvido falar de duas actrizes que optaram pela mesma solução, mesmo quando havia alternativas e esperança, mas já depois de terem tido que lidar com a doença.

indolor

Endurecera ao ponto de se tornar dormente em certas zonas. Sabia que poderia acontecer-lhe, sabia que as quedas sucessivas sobre uma mesma zona do corpo tinham a capacidade de tornar essa zona impermeável à dor, mas até isso lhe parecia ostensivamente indolor.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

No bom caminho para a libertação feminina



É um bom começo.

www.sermulherperfeitaétanga.com

Há de facto todo um complexo de culpa genético que inflama as mulheres a serem boas donas de casa, sob o risco de serem rotuladas pela própria mãe, pela sogra, pelo marido como más mulheres. Sendo que "mulheres", neste caso, vai muito além do género, é uma condição que preenche uma lista infindável de requisitos.
Os guias de organização doméstica, os programas que ajudam a inflacionar a imagem desejada, os conselhos sobre como manter a camisa do marido esticada no estendal, a fim de não amarrotar demasiado, as dicas sobre como gerir filhos, carreira, lida da casa, tudo aquilo que nos diz que ser boa mulher está apenas à distância de um mágico estalar de dedos, um baton vermelho e uma roupa sensual, empurram-nos para o poço escuro da frustração, pois que muitas vezes sentimos não conseguir gerir toda a domesticidade inerente à nossa imposta condição e nem sequer sentimos que nascemos para o fazer com uma perna às costas. Na realidade, precisamos de alguém que nos pegue ao colo, de vez em quando, mas não podemos dar-nos ao luxo de sonharmos com isso.
Não conseguimos ser tudo ao mesmo tempo, mas é suposto conseguirmos ser tudo ao mesmo tempo e ainda mantermos o ar sensual.
Por isso, fica a pergunta: Para quando um guia que nos ensine que nada do que é pré-estabelecido como sendo importante é assim tão importante?
Um guia que ponha a nu toda a verdade sobre as mulheres-sogramente-perfeitas?
E a verdade, o segredo mais bem guardado da história dos segredos femininos, é que elas têm ajuda. Elas não fazem tudo sozinhas.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

o intumescimento provocado pelo facto de se ter um blogue

Ter um blogue, no sentido de possuir um espaço onde se escreve para um número potencialmente ilimitado de almas, pode levar (e muitas vezes leva) a uma erecção descontrolada do ego. Quanto mais as pessoas se convencem que um blogue é um palco, o seu palco, mais a erecção pulsa, produzindo descargas de adrenalina que auto motivam o autor a acender mais holofotes sobre a sua pessoa.
O autor do blogue faz passar a imagem que vive bem na sua própria pele, que não almeja mais do que aquilo que possui, ainda que aquilo que possui seja nada. O autor do blogue é crítico literário, fazendo perninha no goodreads, escritor, dita tendências de moda, guru das dietas, ou de outro palco qualquer. Enfim, o céu é o limite, pois no palco virtual ele pode apelidar-se do que quer que seja. Garanto-vos que haverá centenas de almas dispostas ao elogio.
Só que um blogue é apenas e só isso. Uma página em branco. Um espaço virtual onde cada um escreve o que deseja escrever. Não é muito diferente dos caderninhos perfumados que tínhamos na primária, em termos de relevância.
Uns entendem que ter um blogue não representa motivo para grande alarido. Outros entendem empolar o seu espaço, conferindo-lhe cariz de jornal de letras, ou revista de moda, provavelmente porque era esse o seu sonho profissional, não sei.
Cada um faz aquilo que quer e, nesta época de crise económica, até consigo entender a necessidade de poupar nos antidepressivos e apostar num espaço de auto masturbação elevada ao extremo. É que sempre é mais em conta.

Estibaliz Berecibar e as anémonas

E foi com este nome que não saiu de um livro da Alice Vieira, nem da Sophia de Mello Breyner que decidi demitir-me da função de preocupar-me com o estado da educação neste país.
Quando um exame parece mais um guião de uma série de humor, do que um teste para avaliar conhecimentos sobre a língua materna, eu resigno.
Vou ensinar os putos a fazer humor. Pode ser que singrem na profissão de elaboradores de exames nacionais.

terça-feira, 7 de maio de 2013

No meu tempo é que era bom

Exames aos putos de 9 anos.
É preciso fazer esses maiores de idade, sacaninhas com vontade jurídica assinarem um compromisso de honra.
É preciso afastar alguns desses sacaninhas cábulas dos seus professores de origem e fazer com que se desloquem a outra escola e sejam vigiados por outros professores, que nada têm a ver com o ensino da disciplina avaliada.
É preciso - e este factor é de relevância indiscutível - que levem uma caneta preta. Não podem esquecer a caneta preta.
É preciso a solenidade e o acagaçar, factores fundamentais para enrijecer o caracter de um futuro adulto e formar um estudante exemplar, sem complacência de qualquer espécie.
É preciso voltar "ao nosso tempo é que era bom".
É preciso voltar para trás.
O único estranho problema é que o ensino em si nada tem do tempo em que era bom, quando se empinava conceitos básicos e se decorava nomes de rios e de reis e de coisas concretas e simples de explanar num exame.
O único estranho problema é que se quis retornar aos "tempos em que era bom" apenas nos exames às crianças pequenas.
E ainda em relação a esta coisa dos que dizem que "no meu tempo é que era bom, pois que se fazia exames e não era preciso levar as crianças ao médico tanta vez e trabalhávamos de sol a sol desde o berço e não tínhamos cadeirinhas no carro para os putos e não havia cá essas paneleirices." Aos que dizem indiscriminadamente, com uma nostalgia enjoativa e cega que no seu tempo é que era bom, tenho novidades chocantes para vós:
- No tempo em que era bom, nem tudo era assim tão bom. Se não, enfiemos os olhinhos na classe política saída do tempo em que tudo era bom.

Eu nada entendo de políticas de educação, nem de outras políticas quaisquer, mas se exercesse um cargo de poder na educação (bate na madeira), acho que fazia batota e usava cábulas e o único compromisso de honra que assinaria, com caneta preta claro, seria o de copiar bastante o sistema educativo sueco, por exemplo. É que parece que eles devem estar a fazer qualquer coisa bem e também não me parece que tenham tido que voltar aos tempos em que tudo era bom e não havia cá meninos da mamã com nervoso e ansiedade.

verdade

"É como a internet, ou a televisão. Não existe qualquer centro, existem apenas triliões de pedacinhos de ruído recreativo. Nunca podemos sentar-nos e ter qualquer tipo de conversa prolongada, é tudo apenas lixo barato e desenvolvimento de merda. Todas as coisas verdadeiras, autênticas e honestas estão a morrer. Intelectual e culturalmente, andamos a saltitar como bolas de bilhar aleatórias, reagindo ao último estímulo aleatório"

*Arrancado do Liberdade, de Jonathan Franzen, que só estou a ler, porque a Melissa fez o favor de atirar um exemplar no meu colo.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

o que temos

À frente de cada departamento que é suposto ajudar a resolver problemas, está uma pessoa incapaz de ajudar a resolver problemas e que o diz com a indiferença gelada de quem se está a cagar para os problemas que era suposto ajudar a resolver.
Atrás de cada balcão de cada repartição, ou atrás da puta que os deu à luz, ao balcão, ou à repartição, está alguém que acha que não vai ter posto de trabalho se não arranjar problemas, pois que quanto mais entraves criar, mais útil parece ser o seu trabalho e mais poder parece ter a sua vida.
Atrás de um país morto e sem crescimento, nem nascimento, está sempre alguém disposto a enfiar mais uma pazada de terra para o enterrar definitivamente.

Poderia ter saído de um livro de auto-ajuda, mas não

Às vezes antes de melhorar piora. Não é que seja necessário piorar, não é que o pior faça a menor falta, mas piora. E é preciso paciência, resiliência e esperança, sempre.
Os materiais que dobram acabarão por voltar à sua forma original. Com mazelas, é certo, menos flexíveis em certas zonas, desengonçados noutras, mas retornarão.

sábado, 4 de maio de 2013

de joelhos

Se há coisa que mexe com o meu nervo ciático é ver os devotos de joelhos em sangue, já quase purulentos a rastejarem pelo chão pedregoso de uma qualquer promessa que pagam.
Joelhos em sangue, ar sofrido e compenetrado na sua via sacra medieval para lugar nenhum.
Odeio.
Porque é que não prometem chicotadas no lombo, roçar as nuas costas sobre uma parede com tinta de areia, beber um copo com azeite, ou comer um cacho de bananas com casca em privado?
Sei que pode parecer duro e insensível da minha parte tratar assim as manifestações de fé dos outros, mas nisto das lesões auto infligidas pelas crenças sou um bocadinho mal disposta, principalmente quando me entram pelos olhos dentro.
Deixo aqui sugestões para paga de promessa, um bocadinho mais no que penso ser o espírito cristão:
Tirar o dia dedicado a foder os próprios joelhos e a mutilar um corpo que deveria ser respeitado, pois que só se tem um e dedica-lo a ajudar alguém necessitado, hein? Olha que bela ideia.

na primeira pessoa do singular

Nada sei de onde te encontras e se aí é realmente a ausência de tudo o que te perturbava. Se parou tudo o que querias que parasse, se foi tudo como quiseste que fosse, se fomos todos o que era suposto sermos na tua vontade.
Nada sei das demandas que empreendes agora, se é que demandas existem aí onde te encontras. Mas gosto de pensar que as empreendes mesmo assim, pois imaginar-te sem grandes empreendimentos é impossível.
Sei apenas dos sorrisos que já não rasgas, das palavras que deixaste de dirigir aos que gostavam de te escutar, do som que certas partes de ti já não provocam na vida dos outros e isso faz com que tudo o resto soe absurdo, bem como o sítio onde te encontras.
Isso faz com que o consolo se evapore numa espécie de mágoa sem retorno, que não me devolve a tua vida, que não me diz de aí onde te encontras, se encontraste o que querias.
Nada sei das dores dos que dizem que tudo ficou melhor assim, pois para mim nada poderia ficar melhor assim, sem ti aqui.
Calem-se os que julgam confortar com as palavras vãs dos manuais de pesar. Calem-se todos ao redor da tua lembrança e escutem apenas o silêncio que faz agora.
Calem-se as frases comuns de conforto e deixem que se escute o silêncio que faz agora. Só o silêncio explica o que acontece dentro de todos os que ficaram sem ti. Apenas ao vento é permitido soprar, para manter a lembrança de que tudo prossegue apesar de estares agora aí onde te encontras.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

quando as imagens valem mais do que Todas as Palavras



Não há sensação igual. Podem crer que não.

que será será

Fico sempre divertida quando oiço as futuras mães traçarem planos maternos, com as suas certezas inabaláveis e riscos firmes desenhando rumos teimosamente a direito. Os desvios são para os outros, sei bem o que quero.
O pai fará isto, eu farei aquilo, o filho jamais fará aqueloutro, nós jamais faremos disto, ele nunca comerá daquilo, a família fará de tudo, os outros nada poderão fazer e eu sei que é isto e que é assim que será, ou não será.
Tenho uma notícia bombástica:
Será como for e isso não será assim tão mau, a menos que se tracem tantos planos que depois ver que eles não correm bem assim, vos destruirá com a famosa culpa e sensação de falhanço materno.
É caso para cantar, como a mítica Doris Day:
"Que será será, whatever will be, will be"