sábado, 29 de junho de 2013

ohhhh, a praia, a praia

Tirando alguns finais de tarde mornos, em que me perco em brincadeiras absurdas com os miúdos, a praia cansa-me e vou apenas por obrigação familiar.
Não entendo o fascínio que move milhares em direcção aos areais escaldantes, férteis em fungos e beatas de cigarro enterradas.
Tudo isto se amplia, quando me chegam à memória imagens de armação de pêra, em dia de calor sufocante, com cada centímetro de areal ocupado por rabos peludos, mamas besuntadas de creme, marmitas, gritos, bolas a serem chutadas sobre corpos deitados. Enfim, um areal inabitável, mas cheio de pessoas cuja ideia de descanso era aquilo.
Nada me dizem as filas, a procura de lugar para estacionar, o sol fervente, os 34 graus, o estar de papo para o ar, enquanto se trabalha para o melanoma, só para depois ir refrescar ao mar, zerando assim todo o processo e criando nova vontade de torrar.
Se tivesse que usar o meu direito à greve, conseguiria imaginar, pelo menos, 10 coisas mais interessantes para fazer do que ir torrar para o areal, mas o que é que se pode fazer, a praia exerce um fascínio quase afrodisíaco sobre a maior parte dos portugueses e imagino que seja por isso que os países mais desenvolvidos sejam aqueles onde há menos dias de sol.
Lembro-me, quando visitei Estocolmo, do brilhante dia de sol que nos recebeu e de ter visto, em plena hora de trabalho, a malta toda de calças e mangas arregaçadas em cada pedaço de relvado da cidade.
Um sueco em Portugal faria greve todos os dias.

músicas que te trazem de volta à (minha) vida



quarta-feira, 26 de junho de 2013

Férias no idílio paradisiaco

Último dia de aulas da Alice: Febre. Foi representar o seu brilhante papel, na festa de final de ano, com Brufen no sistema, pois que show must go on, pelo menos para ela.
Melhoras substanciais e decidimos sair do exílio e ir dar um giro no carro da minha irmã, a pedido desta. O giro tinha como destino um local cujo nome não referirei a fim de não pensarem que já me vendi à publicidade (quem me dera que deixassem de ignorar o meu potencial), mas que começa com F e termina com T e onde ela queria ir em busca de uns ténis com uma estrela mais baratos.
Saímos bem dispostos e airosos, apesar de derretidos e eis se não quando, a meio da Segunda Circular, o António começa a dizer que estava mal disposto e, com o pré aviso de meio segundo que é habitual as crianças darem, expeliu o conteúdo do pequeno almoço pelo carro da tia, nos meus braços e mãos.
Retornámos a casa, sempre na expectativa de réplicas e presumimos que tinha enjoado no carro desconhecido.
Esfreguei carro, cadeirinha, sob o sol fresco dos 34 graus que se faziam sentir e desejei com toda a força que a presunção do enjoo estivesse certa.
É claro que presumi mal.
Febre e, hoje, vomitado sem pré aviso no sofá, que já esfreguei sob o calor tórrido e fermentante que se faz sentir na minha sala.
Pobres filhinhos que não há nada que não partilhem entre eles e com a sua mãe, amo-vos tanto, mas estou tão cansada de vírus e bactérias e limpezas sob o calor tórrido que se faz sentir, que estava capaz de morrer de cada vez que vejo fotos de pessoas com os pés virados para uma piscina de água, já que para uma piscina de vomitado também posso tirar.

Hoje estás aqui,

em cada linha, em cada inspiração de ar, em cada espaço em branco, em cada instante de paragem.
Hoje estás aqui e escrevo-te na primeira pessoa, como se estivesses na ponta dos meus dedos e os comandasses.
Que pena imensa não estares do outro lado das minhas palavras, que pena imensa não habitares já do outro lado deste monitor, respondendo-me, desafiando-me, arrancando-me do torpor costumeiro dos meus dias sem graça.
Mas agora tenho o privilégio de ter-te aqui. Não todos os dias, não a todo o instante, mas de vez em quando. E quando isso sucede, ter-te aqui na ponta dos dedos, do lado de cá, sei que tudo ficará bem.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Com o mal dos outros

Tenho feito alguns progressos nos meus julgamentos precipitados. Sei que, hoje em dia, sou uma pessoa mais ponderada e controlada, no que toca a disferir chapadas emocionais aos outros, mas, apesar de toda essa minha aprendizagem, sei que ainda estou em evolução e que há uma mão cheia de coisas que me aflige e me irrita e onde não me apetece passar o pano da serenidade.
Hoje, por exemplo, estavam quatro mães a almoçar ao nosso lado e a conversar sobre as crias (que não estavam presentes). Uma delas falava, de peito cheio e voz alta, sobre o facto de se recusar a dar medicamentos à filha.
- Eu recuso-me a dar-lhe Brufen, ou gotas, ou benurons. É que nem pensem! Ela não toma medicação!
E eu perguntei a mim própria, com um certo rubor indignado a querer despontar na minha fronha:
- Mas que merda dás tu à tua filha se ela estiver a arder em febre? Banhinhos mornos?! Rezas com incensos?!
É isso e as mães que se gabam de não vacinarem os putos, como se proclamassem assim a sua destemida coragem de ir contra tudo e todos e de defender as suas crias contra os malefícios das vacinas, esses perigosos progressos da medicina, tão nefastos para a saúde pública.
Esquecem-se é que se podem dar ao luxo de não vacinar os seus filhos, porque existem vacinas que erradicaram, quase na totalidade, doenças terríveis.
Porque é que não pegam nos filhos por vacinar e vão fazer uma viagem ao Sul da Asia, ou ao continente africano e as expõem à poliomielite, por exemplo?
Acho cutxi cutxi e super vanguardista da parte destas mães quererem defender os filhos das vacinas e apregoarem este feito aos sete ventos, como se fosse motivo de orgulho. Mas mais valia estarem caladinhas.
Sim, eu sei. É o meu lado por trabalhar, a minha faceta por moldar, a minha serenidade por serenar e os meus julgamentos a pularem da minha boca para fora, mas há merdas que me deixam assim e desconfio que deixarão sempre.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

enamoramento comestível

Agora a sério, quem é que querem enganar?
Juro-vos que não acredito em vocês, estoicos empreendedores de dietas que continuam a fotografar cada migalha de comida que consomem.
Que caso de amor é este com o alimento? Que caso de amor é este que vos leva a fotografar cada prato, cada detalhe comestível das refeições, por mais desengraçado que seja?
Isto não demonstra progressos na dieta. Demonstra apenas enamoramento pela comida e esse é o exacto problema que vos levou à dieta.
I Rest My Case.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

em busca da t-shirt perfeita

Eu só queria uma t-shirt que:
- Não encolhesse 15 cm na primeira lavagem.
- Não parecesse ter encolhido/ter sido rasgada à dentada/ter sido confecionada numa fábrica onde poupam no tecido
- Não fosse tirada de dentro de um vídeo clip da Samantha Fox a saltar de dentro de uma piscina
- Sem manga à cava/manga até aos rins
- Sem motivos tropicais: Ananases, papagaios, palmeiras
- Sem motivos navais, a fazer parecer a tripulação do Barco do Amor
Não quero ter nada a ver com a moda dos anos 80, por favor, onde é que andam as t-shirts que me deixam esticar o braço para alcançar os enlatados no supermercado, sem deixarem à vista a minha pança?
ONDE???

terça-feira, 18 de junho de 2013

Para onde foram todos?

Confesso que li esta notícia, que nos fala da agressão sofrida pela famosa Nigella Lawson, com um misto de asco e estupefação. Asco pelo verme do marido da Nigella e por ter constatado, mais uma vez, que a violência doméstica toca a todos, ricos, pobres, famosos, incógnitos. Estupefação pelo facto de as pessoas no restaurante se terem dado ao trabalho de fotografar a agressão, mas ninguém ter feito um corno em defesa da senhora.
Que merda de sociedade a nossa em que, protegidos pela objectiva de um telemóvel, julgamos ser ficção virtual o que se passa mesmo à frente do nosso nariz?
Mas o que é isto, que demissão é esta de todos os nossos deveres cívicos, para onde foram as pessoas que se preocupam e que interferem quando uma atrocidade é cometida bem em frente do seu nariz?
Para onde andamos todos a olhar, que nunca nos metemos em nada, nunca interferimos, não levantamos a peida da cadeira para ajudar quem precisa de auxílio?
O que é esta merda de andarmos todos obcecados com o cotão do nosso próprio umbigo, ignorando os umbigos dos outros?

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Do nós ao Eu

Nos últimos 3 anos e 4 meses temos sido dois.
Dois em absolutamente tudo; nas idas ao médico com a irmã, nas idas ao supermercado, nas idas à drogaria para comprar um parafuso, à mercearia do pedaço, porque preciso apenas de um limão, nas idas ao parque, nas idas ao Ikea, nas idas à escola e às aulas de piano da mana, nas idas à depilação (sim, é verdade), na compra de um livro, nas arrumações da casa, na rega do jardim, no abastecimento do carro com gasóleo, nos cozinhados, nos passeios.
Já não sei o que é estar sozinha, nos meus silêncios e meditações, nas minhas viagens de carro sem ter que pôr cinto na cadeirinha, tirar cinto da cadeirinha, apaziguar dúvidas, responder a perguntas, colocar músicas a teu gosto.
Oiço muitas vezes outras mães dizerem que querem mais filhos e que morrem de saudades dos seus bebés e é verdade, também morro de saudades daquilo que eles vão deixando de ser todos os dias, mas penso que o desejo irreprimível de mais crias, vem com as ajudas que se tem. Com o poder "largar" as crianças e ir comprar limões, ou almoçar fora, sem toda a logística inerente.
Quando somos apenas nós e tudo de nós depende, quando apenas desejávamos poder vegetar cinco minutos, o desejo orgânico de repetir bebés e momentos é aniquilado pela razão. A minha razão está cansada e diz ao meu corpo que descanse. Ao todo, com a Alice incluída, têm sido sete anos non-stop. Quando ela entrou para a escola, eu já tinha o António.
Já não sei, e desconfio que precisarei de vários meses de adaptação para reaprender, como é que se vive sem ouvir a tua vozinha a todo o instante, as tuas birras, sentir a tua mão na minha, ou a fugir de dentro da minha. Preciso de reaprender tudo e tenho a certeza de que andarei por muitos meses coxa, como se me faltasse um membro, a olhar por cima do ombro, a ver para onde correste tu, a proferir o teu nome quando vejo um camião enorme, que sei que gostarias de ver. Precisarei de vários meses de adaptação a mim sem ti em permanência comigo.
Em Setembro começas a tua vida escolar e eu começarei a minha vida de adulta e estou já em modo estágio para quando deixarmos de ser os dois todos os minutos do dia.
Choro e rio, tremo e relaxo, anseio e temo, dói-me e sabe-me bem, abraço-te, prendendo-te mil vezes em pensamento, e deixo-te ir. E sei que será sempre assim connosco.


sexta-feira, 14 de junho de 2013

o que é que leva

uma pessoa com um cargo político a recandidatar-se após anos e anos e anos de cargo político, ou quando todo um povo se manifesta contra essa mesma pessoa?
O que levará um Presidente de Câmara de Santa Uretra de baixo a decidir recandidatar-se por Penicos de Cima?
O que levará alguém a insistir por anos e anos e anos na carreira política, agarrando-se, segurando-se com unhas, mãos, dentes e pés àquela merda?
Eu só posso concluir que, pior do que qualquer droga pesada, o poder vicia e todas as pessoas que fazem carreira do poder, seja ele local, ou a nível nacional, deviam dar entrada em clínicas de desintoxicação todos os anos.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

ser igual todos os dias cansa

Se eu sou assim e tu és assado, se gosto de azul e tu gostas de rosa, se nada me dizem flores e tu páras em cada recanto florido, se gosto daqueles todos e tu não gostas de nenhum, se acho que não é e tu fincas pé que será, se gosto de partir e tu de ficar, se ambiciono a lua e tu o sol, se sou das manhãs e tu de dentro da noite, se aprecio o cheiro de uma certa rua, que a ti te repudia, se gosto de me perder numa multidão e tu de te quedares quieto na tua solidão, se gosto de gritar quando sei que ninguém me escuta e tu de escutares quando ninguém grita, se nada encontro em pessoas parecidas comigo e tu buscas os teus semelhantes a fim de te reencontrares, se vejo perdão e tu vês orgulho, se vislumbro sombras onde para ti tudo é luz, se sou branca e és negro, se sou assim e tu és assado.
Que raio tem isso agora de importante?
Que tremenda chatice é querer ser sempre igual, sem uma nota que nos distinga dos demais. Que tremenda chatice é não empreendermos o nosso caminho, deixando que se cruze com todos os caminhos alheios, atravessando-os, respirando-os, respeitando-os, vivendo-os como parte do nosso percurso.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

marmelada no ikea

O restaurante do Ikea de Alfragide tem uma espécie de coreto no meio, com brinquedos lá dentro e um balcão à volta, para que os pais possam almoçar, enquanto os filhos brincam ali dentro.
E ali estava eu, a engolir almondegas de carne de cavalo, enquanto o António saltitava dentro do dito, quando um casal de jovens bastante apaixonados, decide que aquele é o lugar mais romântico do restaurante para almoçar languidamente.
Estou eu e os dois jovens e o pequeno Toy dentro do "recinto".
É de frisar que o restaurante estava praticamente vazio, uma vez que era dia de semana e eu tenho o hábito de almoçar com a sirene dos bombeiros e das fábricas.
Casal troca carícias, casal troca comida de boca, dando a provar um ao outro os prazeres da gastronomia sueca, soltando sorrisinhos, partilhando batatas fritas e suspiros.
Até aqui, são apenas dois jovens cuja paixão arrebatou os últimos neurónios e que encontra oportunidade de exploração romântica em qualquer esquina, uma vez que ainda não tem casa própria. Até aqui o meu cérebro ainda aceita a cena, apesar de não perceber muito bem a escolha daquele lugar em concreto, com tantas mesas vazias. Mas quando decidem começar a beijar-se, entre a troca de batatas fritas, aproveitando para fazer lavagem ao estômago com as línguas. Quando decidem que as línguas, ainda a pingar molhanga, podem explorar os recantos do organismo um do outro, ouvidos incluídos, em frente de um António que os mira com aparente estupefação e perguntas em construção, a coisa muda de figura e eu pergunto-me o que acontecerá quando os jovens decidirem passar pela zona do armazém que tem os quartos montadinhos, com lençóis e tudo. Quase que aposto que vão pensar que é o recinto das refeições e farão um piquenique com bolos de canela e cafezinhos em copo de cartão, bem sobre o colchão.

domingo, 9 de junho de 2013

Gostei muito

Aliás, adorei. Mas sempre fui cegamente parcial em relação a esta dupla, por isso podem bem cagar na minha opinião :)

quinta-feira, 6 de junho de 2013

parece que hoje farias 31 anos,

mas parece também que teremos que deixar de contar os teus aniversários, como parte disto de nos teres morrido.
A tua mãe lembra-te desde o dia em que te viu pela primeira vez e recorda cada um dos 6 de Junho desde então, com uma precisão dolorosa. Foste o seu bebé, a sua menina, a sua mulherzinha independente e ela teve que deixar-te partir em cada uma dessas pequenas mortes, para que pudesses crescer.
Mas ter que deixar-te crescer assim tanto, para longe do mundo que conhecemos. Ter que deixar-te partir definitivamente, nenhuma mãe sabe como fazê-lo. É um percurso infinito e a cada 6 de Junho que passar, recordará tudo de novo e o caminho parecerá tornar-se de novo infindo.
O teu pai recorda a sua eterna menina, que o será sempre e ainda não acredita que tem que deixar-te passar, a ti e aos 6 de Junho, sem que tenhas passado de verdade.
A tua irmã mais nova recorda os 6 de Junho desde que se lembra de recordar-te a ti e com eles chegam as memórias infinitas de vocês, de como tudo era desde sempre.
Os teus amigos lembram, com aquele nó apertado e fundo que nos corta a respiração, as festas, os jantares, as conversas, os copos, a cumplicidade, o riso e as lágrimas e sabem que serás recordada em todos os 6 de Junho das suas vidas, com uma obrigação involuntária e desoladora.
As datas têm este poder de nos aprisionar, como se significassem etapas concretas em que tudo começou, em que tudo terminou, mas não é bem assim, pois entre o nascimento e a morte houve todos os dias em que amaste, sorriste, viajaste, tocaste o coração de alguém.
Houve aquele dia sem data marcada em que te apaixonaste pela primeira vez, houve um outro dia não assinalado no calendário, em que te tornaste mulher, outro houve em que escutaste um grupo qualquer e dançaste e cantaste, até tudo o resto desaparecer em teu redor. Imagino, quer dizer, tenho a certeza de que tiveste uma imensidão de dias sem data assinalada, que te marcaram no mundo.
Houve as conquistas intelectuais, houve as conquistas pessoais, houve as batalhas travadas e vencidas, outras travadas e perdidas, mas houve, houve, houve. Houve vida entre a data de princípio e de fim.
Houve um meio inteiro das datas que te significam. Um mundo inteiro que me faz crer que viveste. Muito aquém do que poderias ter vivido, mas imensamente além de tantos outros, cuja vida se limitou a uma eternidade de anos sem conquistas.
Por tudo isto tentarei celebrar-te sempre todos os dias, sem princípio, nem fim, pois agora já não te reges pelos nossos calendários rotineiros. Agora és maior do que tudo aquilo que nos contabiliza em meses e anos e dias.
Agora és muito mais do que os trinta 6 de Junho que passaste, agora és plena, inigualável, total e, com alguma sorte, nada lembras já de nós, nem dos que te choram numa saudade infinita. Agora és como sempre imaginei que fosses: Imensa.

terça-feira, 4 de junho de 2013

não sei se sabem

disto que vos vou falar, mas o mais provável é ser comum a todos nós que temos filhos.
O cansaço, muitas vezes, rouba-nos aquela parte do coração que vê. Torna-o num músculo automático e cansado, limitando-se a impulsionar sangue sem parar. O coração comporta a nobre tarefa de não nos deixar morrer, de não parar nunca, mesmo quando dormimos, sofremos, choramos, rimos, mas nós esquecemo-nos dele demasiadas vezes.
Só que, de tempos a tempos, ele pára, metaforicamente falando, e concede-nos a honra de o sentirmos. Os ruídos e o cansaço deixam de ter importância e conseguimos sentir as coisas como deveriam ser sempre.
O António, de há um mês para cá, tem acordado todos os dias às 6.30 da manhã e é sempre comigo que vem ter, pedindo xixi. Depois não adormece mais, passa-me carrinhos por cima, fica sentado perto de mim, exercendo pressão silenciosa e esperando que me levante.
Todas as manhãs tem sido este o meu acordar madrugador e rabugento e eu não raciocino, faço tudo em modo automático. Consigo arranjar sempre espaço para gemer de dor sonolenta, de cada vez que os pés dele entram no meu quarto e de amaldiçoar aquele despertar quase nocturno.
Ontem foi diferente. Pediu-me apenas que lhe tirasse a fralda da noite e foi para baixo, em silêncio. Nada de televisão, nada de ruídos, nada de nada.
Hoje passou-se a mesma coisa e eu pensei finalmente que uma bênção tinha caído sobre mim e nada quis indagar, pois mais meia hora de sono era tudo o que precisava.
Passada essa meia hora desci e dei com o meu filho sentado em frente da janela grande que temos na sala a olhar lá para fora, absolutamente contemplativo.
- O que é que estás a fazer, António?
- A ver os passarinhos.
Aproximei-me e lá estavam eles, cerca de 6 passarinhos a chilrear, empoleirados nos fios.
- Não faças barulho, mãe.
E parou tudo. Os pés descalços dele a baloiçarem, o dedinho a apontar para os pássaros, os olhos castanhos brilhantes. Aquela minha bolinha de amor puro e completo. Aquele menino que não gosta que o chamem fofinho, nem bebé. Aquele menino que tantas vezes finjo ouvir, quando estou noutra. Aquele filho capaz de ficar meia hora a olhar os pássaros a baloiçarem nos fios de electricidade, mas incapaz de se enfiar na nossa cama e dormir mais um bocadinho.
Aquele menino maravilhoso era meu e eu há tanto tempo que não o olhava assim, com olhos de amor absoluto.
Pode ser apenas um momento, uma mão a apanhar um punhado de relva, um pé descalço no meu colo, uma posição enquanto dorme. Mas é um momento que me lembra sempre, de forma quase brutal e dolorosa, o que é sentir amor imaculado, o que é tê-los dentro da minha vida banal.