domingo, 15 de março de 2009

A Fé dos Outros


Hoje na viagem de volta parámos em Fátima. O meu sogro descobriu que tem uma doença grave há um ano atrás e o Hugo assim que soube desta notícia, meteu-se no carro sem dizer nada a ninguém e rumou sozinho a esse local onde vão tantas vezes os aflitos. Achei bonito na altura o gesto de amor puro e de fé que ele teve e hoje quando voltávamos parámos para ele renovar os seus pedidos pelo pai.
Eu adorava ter as certezas universais de quem se diz pessoa de ciência, ou pessoa de Deus. Porque para cada uma delas é preciso acreditar com uma força desmesurada. Uns na ciência, outros em Deus.
Eu gostava de ter dentro de mim a força invisível da fé, ou o crer incontornável da ciência, mas não tenho.
Se vejo uma paisagem que me comove sinto-me perto de Deus. Se vejo alguém que através do estudo salvou uma vida, sinto-me perto do homem. Acho bonitos alguns aspectos da filosofia budista, acho correctos tantos aspectos da filosofia cristã, acho hipócritas tantos gestos dos representantes de Deus e seus seguidores, acho fanáticas tantas palavras dos que não acreditam nele.
Esta sou eu, a eterna expectadora de mim própria, dos outros, tentando manter o meu espírito à superfície de tudo.
Mas hoje em Fátima, ao ver as pessoas a percorrerem quilómetros de joelhos, ou a atirarem velas para um gigantesco crematório de promessas, ao percorrer as ruas cheias de lojas com acessórios alusivos aos pastorinhos, Nossa Senhora em forma de lápis, porta chaves, canecas, t-shirts e tudo o que seja passível de comércio,senti mais do que nunca que o homem estraga quase sempre aquilo em que acredita. Essa é a minha certeza universal.

20 comentários:

Miguel disse...

Olha Ana, eu não acredito em Deus, não nesse que me ensinaram na infância. Acredito que tem de existir algo, mas que não consigo definir. Quanto a Fátima: recuso visitar um local que exalta o sofrimento como essencial para a salvação. Fui uma vez e fiquei deprimido. E olha que não é fácil para mim deprimir!!

Ana C. disse...

Miguel, hoje só me faltou ver pessoas a auto flagelarem-se com chicote, porque de resto, vi de tudo... Nunca entendi porquê estas promessas medievais. Em que é que isso ajuda Deus? Porque não prometer ajudar os outros, ou fazer o bem em fez de partir os joelhos?
Também acho que quem quer rezar com fervor o pode fazer em qualquer local, mas não quero e não posso julgar pessoas que sentem necessidade de ir lá.
Quanto ao resto, é como disse, acho alguns princípios cristãos bonitos, enquanto filosofia de vida, pena é que a maioria dos que se dizem cristãos não vivam de acordo com aquilo que apregoam.

Precis Almana disse...

Êh pá, nem mais...
Eu não acredito em Deus, porque acho que se Deus existisse não existiam crianças a sofrer (entre outras coisas que não existiriam e existem). Escusava de haver perfeição; mas Deus e algum do mundo que temos não são coisas compatíveis. Pelo menos, pela forma como nos transmitem que Deus é (ou deveria ser).
Mas alguns felizes que são em acreditar nele. Pelo menos, sofrem menos em algumas alturas...? Fica a pergunta/dúvida.

Anónimo disse...

E é a minha também! Sem dúvida!

Ana. disse...

Eu acredito sobretudo que a fé cega numa religião que já parte do princípio que somos todos pecadores para justificar a bondade e magnificência de um Deus que tudo perdoa é extremamente hipócrita. E se tivermos em conta que numa altura em que a crença em Deus era praticamente obrigatória se podiam "comprar" o perdão a esses pecados... bem, aí fico eu cega. Que raio de princípios são estes? Que raio de religião discrimina, acusa e exclui aqueles que não cabem nos moldes cada vez mais intolerantes e desfasados do tempo em que vivemos?...

A mim, não me convence.

Ana C. disse...

Precis, para mim o sofrimento das crianças é algo que jamais vai ter uma resposta que me satisfaça. Nisso concordo contigo.

Ana C. disse...

Socas ainda bem que temos as duas uma certeza em comum :)

Ana C. disse...

Ana. a filosofia cristã na sua pureza, vem dos gregos que já apregoavam algumas dessas coisas enquanto princípios de moral.
Jesus enquanto pessoa existiu de facto. Se era um filósofo, ou um santo milagroso é a pergunta pertinente. Seja como for, o que estragou mesmo tudo, na minha modesta opinião, foi a Igreja...

Clementine Tangerina disse...

Ana,

não sou muito religiosa, batizada mas nao sou praticante, tenho a minha fé...peço a um deus que não tem imagem...é o meu deus seja ele cristão ou nao...
Peço ao meu deus que me ajude mas que ajude principalmente aqueles que amo. A minha mãe esta a passar por uma fase de exames medicos, e tenho pedido muito para nao ser nada.

Melissa disse...

Eu acredito em Deus, até rezo à noite, mas não tenho fé. Não acredito que Deus seja uma entidade reguladora, ou, sendo, opera num nível bastante acima da nossa compreensão. Não acredito que lance milagres aqui ou acolá, numa espécie de Euromilhões cósmico.

Mas invejo de morte quem consegue ter este tipo de concentração - acho que fé é acima de tudo um exercício enorme de concentração num pensamento positivo, e a minha cabeça sempre foi muito cheia de fantasmas para isso.

Mas confesso que quando tudo se torna complicado, também me dá vontade de fugir para Fátima beber daquele sentimento inabalável de que tudo corre bem aos justos porque a Grande Mãe olha por todos, especialmente para quem está disposto ao sacrifício. Sempre acho que posso sair de lá contagiada. Nunca saio. Mas acabo por voltar eventualmente.

Criada católica praticante, é-me impossível fugir à tentação das promessas a todos os santinhos quando tudo corre mal, mas para não perder o pé ao real tento manter a coisa num nível estritamente social: dinheiro para instituições fiáveis. Acho que Deus curte isso. Quando não atende os meus desejos, penso o que disse acima, que Ele opera num nível fora da nossa compreensão e que tudo o que acontece na minha vida, mesmo que eu não entenda para já, tem uma explicação. E pago a promessa na mesma.

Bem, grande comentário, este.

The New Black disse...

Ana C., tens um miminho no meu blog. Gostaria muito que o aceitasses :) Beijos

Ana C. disse...

Clementine, penso que todos nós nos viramos para uma qualquer entidade quando as coisas apertam. Só espero que esteja tudo bem com a tua mãe. Mtos Bjs

Ana C. disse...

Melissa, ora bem, tu és a típica desorganizada, até nos assuntos de religião tentas ter um pé em todas as driecções just in case. De qualquer forma gostei muito da tua sinceridade :)

Eumesma disse...

Sem duvida que estraga.

Mas a fé mantem-se pelos menos para alguns sem essas demsontrações que se calhar agradam ao Homem e não a Deus.
Eu pessoalmente acredito em Deus e tenho fé, embora não seja uma fiel practicanete porque nunca vou á Igreja.
Mas sei que Ele lá está e sei tb que já me ajudou e que orientou, mas não me perguntes porque tenho esta crença, não sei..

Só sei que existe algo que vela por mim e quem eu me agarro em hora de extrema aflição..

Mas respeito tb mto quem não acredita...

Melissa disse...

Uma vela para Deus e outra para o diabo, hehe.

Agora a sério, cada vez mais simpatizo com espiritismo cristão. Os seus princípios são os que mais vão ao encontro das milhões de coisas em que acredito aleatoriamente. Só queria ter disponibilidade - mental - para me aprofundar mais nos estudos.

Ana C. disse...

Eumesma, é muito importante termos algo a que nos agarrarmos quando as coisas estão menos bem...

Joanissima disse...

Fátima dá-me paz, independentemente daquilo que simboliza. Creio que é uma verdade para a maioria das pessoas, mesmo para as que não têm qualquer fé, que aquele é um lugar de paz.
E a paz é uma religião extraordinária... : )

Ana C. disse...

Joaníssima, paz é uma coisa que procuro sempre. Mas não encontrei num domingo cheio de peregrinos a comerem as buchas na galhofa. Domingo é um péssimo dia para quase tudo, principalmente para procurar paz.

Tasha disse...

Já Friedrich Nietzsche dizia: "Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo. e acrescento que, leva as pessoas a formas de autoflagelo que me impressionam e a levarem com eles filhos e netos para a ssiatirem, como forma de espetaculo medieval. Fátima, de facto nao é para mim... Nao posso, nao suporto e dá-me vontade de comecar aos berros quando me lembro de tudo a que já lá assisti.
Ja passei por muitos momentos, muito dificeis na minha vida e o meu Deus fui EU, sempre EU. Por isso sim, acredito em Deus, num Deus que sou eu. Tenho muita fé em mim própria. Nesse Deus a que se prega em Fátima, que cobra uma fortuna por cada vela para se atirar á fogueira e que leva as pessoas a pagarem promessas com o corpo... Esse, definitivamente, NAO!

Ana C. disse...

tasha, mas essa partezinha dos flagelos e das promessas sem valor, já é da responsabilidade do homem. Por isso é que digo que o homem estraga quase sempre aquilo em que acredita.
Quanto à tua força, não conheço maior benção do que alguém que acredita em si próprio.