domingo, 18 de dezembro de 2011

www.solidão.com

Naquela pequena sala de si própria, ela escreve a alguém que não conhece sobre coisas suas.
Naquele pequeno sofá usado só de um lado, de pernas cruzadas e corpo frio pelo espaço que sobra, ela pede conselho a alguém que julga perfeito. Perfeito pela vida que (d)escreve naquele blogue, naquela página de facebook, naquele espaço virtual em que se pode ser tudo, desde que se seja capaz de agilmente o descrever em letras.
Naquela vida sonhadora, ela sonha poder ser dele, como a outra é dele. A outra linda, perfeita, de armário cheio de encanto e cabeça arrumada.
Naquela noite cheia de horas por passar, ela risca-as, às horas, uma a uma, como rasgões na pele e desabafa com ele, pede-lhe conselho, guarida, protecção. No fundo, pede-lhe atenção. Um minuto que seja. Ela imagina-o retirando tempo ao seu tempo ocupado para se dedicar a ela e às suas perguntas e anseios.
Ele responde-lhe. Ela sente-se importante na vida desse alguém tão importante que não conhece, mas que jura conhecer do avesso.
Tirando os 1345 amigos que tem no facebook, não tem ninguém. Por isso precisa de ouvir das letras de alguém o que poderia reter escutando uma voz do outro lado do telefone. Os conselhos que julga supremos, são apenas uma opinião, mas ela diviniza-os, engrandece-os, ao ponto de não achar possível que ele erre.
Ele sente-se Deus. Ele faz a diferença na vida dessa pessoa. É bom sentirmos que somos importantes para alguém. É inebriante sentirmos que temos poder sobre outra pessoa qualquer. Então, ele escreve sobre isso e sente-se ainda mais importante quando lhe chovem elogios de bondade sobre os ombros erguidos de vaidade.
Gasta horas e horas dos seus dias em frente a um monitor feito de maçãs Macintosh e sente-se grande. Grande como Deus. O Deus das pessoas sós.
Ela olha as horas e fecha o seu computador, abraçando-o como um tesouro único que não quer perder.
O telefone não tocou, a campainha não tocou, a sua vida não saiu dali.
Puxa o cobertor sobre o corpo frio. Levanta-se num ápice e verifica de novo o seu mail. Inbox vazia.
Volta a ler os mails trocados. Fecha de novo o portátil.
Deita-se. Os seus pés frios buscam em vão um lugar quente nos lençóis de Inverno. Apaga a luz e chora.
Ele sorri. Sabe exactamente sobre o que escreverá no dia seguinte.

12 comentários:

gralha disse...

Gostei muito deste. Gostei muito :)

Anónimo disse...

Lindo, triste e tão REAL!

Melissa disse...

Livro!

the man with the hat disse...

excelente.

Ginguba disse...

Uau!
Material de livro, mesmo!

Miguel disse...

blogonovelas returns!

Joanissima disse...

Maravilhoso, Cê!!

Ana C. disse...

Pessoas minhas e dos outros e de quem vos apanhar, isto é só a realidade de muita gente solitária no mundo virtual...
É assustador e triste.

Rebeubeu disse...

Muito bom e a perfeita descriçao duma certa polémicaque por aí anda!

Rebeubeu disse...

Muito bom e a perfeita descriçao duma certa polémicaque por aí anda!

Naná disse...

Cê, adoro o dom que tens de contar histórias, de forma desprendida! Gosto do teu olhar sobre a realidade e desta tua escrita!
Livro mesmo!!

Lídia Borges disse...

Realidade ou ficção!

Um texto que retrata uma nova forma de solidão com contornos perversos. Uma vida de faz de conta que não conta. E a solidão, ganhando raizes...

L.B.