O rosto corado pelo cansaço debruça-se sobre a mesa enfeitada de cores de verde e encarnado. Acende as últimas velas e dos lábios brotam suspiros de dor, pois o vigor da juventude há muito abandonou os músculos que lhe comportam os passos.
As crianças gritam, pedindo os presentes e temendo aquele homem barbudo e de pança pronunciada que se reveza com o menino jesus da sua meninice.
Não lhe acha mal, ao Pai Natal, nem ao rebuliço barulhento dos netos. Não encontra mal no cansaço e nos afazeres que lhe enchem a casa de vida, pois sabe que os anos diante de si são apenas uma questão de poucos dias.
Não encontra angústia no excesso de mimo, do qual os meninos parecem sempre cobertos nesta época, pois sabe que não há nada como o mimo bem doseado nas alturas em que é suposto o amor aparecer em excesso.
Lembra a vizinha do outro lado da rua e coloca o xaile sobre os ombros. Irá lá levar-lhe uma mão cheia de rabanadas e sonhos. Não dos sonhos que se sonham, mas daqueles que adoçam a ponta da língua. Ela não quer vir para a sua casa, não lhe diz nada já o Natal. Faz questão de não o celebrar, mas todos sabem que o chora com o fervor dos que acreditam nele e o perderam.
Regressa para casa e abraça os netos, um por um, prometendo-lhes o mundo inteiro de mimo perto da chaminé e sabendo que o Natal será sempre assim, em função dos outros, pois é nessa função que se encontra e que concilia aquilo que lhe é importante.
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 3 semanas
3 comentários:
Aqui está essência do natal inscrita na sabedoria que só a idade nos dá.
Devias escrever um livro!
;)
Um verdadeiro Natal! Lindo.
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