Que lufada de ar fresco ler este artigo.
Lembrei-me das minhas aulas de português, repletas de baba e bocejos. Aulas em que nada do que era dito prendia a minha atenção por mais do que dois, ou três minutos.
Presa na métrica dos Lusíadas, no intricado trovador das cantigas de amigo, no simbolismo dos Maias e na voz monocórdica e desinteressante de quem nos falava daquele universo paralelo, apenas um pensamento me aflorava a mente:
Onde é que se vendem os resumos desta merda? E onde é que se vendem os resumos dos resumos?
Pois, eu sempre me safei a português, mas nunca adorei a disciplina, nunca me senti impelida a ler nada do que se falava nas aulas, pois que tudo me soava estupidamente desinteressante.
E foi alguns anos mais tarde, já livre dos professores que sempre me calharam na sina (nunca tive sorte com o português), que peguei nos Maias e, livre de simbolismos e contextos históricos e características psicológicas dos personagens, me rendi a Eça de Queiroz e me apaixonei profundamente por ele. Lendo quase tudo o que havia para ler, de seguida.
É preciso darmos espaço à nossa própria leitura, sem interpretações alheias sobre o que o autor significou, ou quis significar.
Às vezes e, por mais estranho que isto soe, é preciso fecharmos os olhos e olharmos para dentro, para nos apaixonarmos.
Sentirmos apenas, sem traços de personalidade, nem contextos, nem linhas temporais. Fechar os olhos e rendermo-nos ao que aquilo tudo suscita em nós. Rendermo-nos ao que nunca nos foi apresentado nas aulas. Rendermo-nos à paixão.
Tive apenas um professor em toda a minha longa carreira de estudante que me fez sentir apaixonada pela disciplina:
O meu professor de filosofia no 12º ano.
Ele obrigava-nos a pensar, a reflectir sobre as grandes questões. Ele chegava à sala e rasgava no quadro de ardósia, em letras garrafais:
DEUS ESTÁ MORTO!!!!! E ficava a olhar para nós, esperando que falássemos a partir dali.
Ele tinha uma arte espantosa de fazer com que nos apaixonássemos, pensássemos por nós e entrássemos nos sapatos de Kierkegaard, de Nietzsche, até de Kant, por mais difíceis que fossem os sapatos deste homem.
Durante uns largos meses, ponderei seriamente seguir filosofia.
E é isto. As métricas, os simbolismos, as vírgulas aqui e não ali, o formalismo em detrimento do verdadeiro conteúdo. É isto que tem potencial para arruinar os nossos futuros leitores/escritores. É isto. Tira-lhes o âmago,
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 2 semanas
13 comentários:
Os sapatos de Kant f...-me a média!
Os sapatos de kant tinham um modelo muito pouco confortável, sim senhora.
Ao contrário de ti, o meu professor de Português A do 10.º, 11.º e 12.º era um apaixonado pelo português e queria incutir-nos esse mesmo gosto que ele tinha. Ainda hoje recordo o entusiasmo com que ele tentava falar-nos da métrica dos sonetos e nos impelia a interpretar livremente um trecho de um qualquer romance do plano curricular.
E foi através dele que conheci um dos melhores romances que li na minha vida (Em nome da Terra, de Vergílio Ferreira).
Só nunca ninguém me conseguiu convencer da grandeza da poesia do Eugénio de Andrade, que sempre achei uma seca! Sempre preferi o Cesário Verde ou o Ary dos Santos!
Curiosamente, o meu professor de filosifia de 12.º, de seu apelido Café, era um motoqueiro rebelde que me incutiu o gosto pelo Kant, Platão e Nietsche, e conseguiu apagar as duas nódoas de professores que me fizeram odiar a arte da filosofia!
"formalismo em detrimento do verdadeiro conteúdo" - só não concordo com isto, porque não acho que esteja em detrimento. Para mim, um bom domínio das ferramentas também é conteúdo, também é beleza. Good writing is sexy, em bom estrangeiro.
Só acho que a gramática devia entrar para facilitar, e não para complicar. A maioria das competências de escrita chega-nos através da leitura; para as que não chegam, uma explicação teórica pode ajudar.
Não estou a falar de gramática b a b a, estou a falar acerca de ensinar livros apenas pelo seu lado formal... ZZZZZZZZZZZ
Tive muita sorte, tive vários professores excelentes. E sou de tal forma apaixonada pela língua que até nem me importava de aprender gramática e as demais regras que deixavam os meus colegas a bufar. Tão choninhas, de óculos de massa, meu Deus, como é que eu sobrevivi à adolescência?
Eu tive sempre azar com os profs de matemática mas a de português e o de filosofia... foram do melhor e permitiram-me ter alguma estrutura na arte do pensar que de outra forma não teria. Foram uma benção. A de português adorava a minha interpretação DAS OBRAS, ela dizia-nos para sentir e expressar o que os textos nos diziam e dava-me notas fantásticas, a um valor do máximo. Chegava aos exames nacionais e não passava do 14, a pessoa que me corrigia não gostava, obviamente do que eu pensava...
Já o de filosofia... um homem grande, pesado, de casaco até aos pés, escondia-se atrás da barba e dos óculos, uma figura grande e cansada mas quando entrava na sala e falava, e tinha um sentido de humor... e também me fez quase tirar filosofia. Tive muita sorte, o meu prof. era o próprio autor do manual, Mário Pissarra e foi uma benção, eu acho que ele me tirou o medo de pensar... e muitos anos mais tarde encontri-o numa exposição e ele abordou-me pelo meu primeiro nome e eu fiquei de boca aberta...
Aparte experiências pessoais, acrescentar que li outro dia num livro que muito me anda a ajudar que o sistema de educação é estúpido porque o que fazemos (pais e professores) é dar dados, conhecimento, dar ás crianças o que sabemos e queremos que assimilem quando, na verdade, lhes deviamos dar perguntas para que procurem as respostas. Em suma, damos-lhes conhecimentos quando deviamos dar-lhes sabedoria e, podendo parecer palavras sinónimas, são muito diferentes. Tenho falado muito sobre isto com o meu marida, é uma coisa que ele já tinha mais pensada do que eu... Mas o medo que me assalta agora é: como se ensinam os miudos a pensar? Ele acha que é fácil, é só deixar de lhes dar as respostinhas todas e levá-los a procurar as respostas. Depois vem outro nível: ensiná-los a questionar o que lhes é dado como certo...
Uma pessoa quando tem filhos nem tem noção do que é preciso para os criar, é que não é só pão e roupa, não é?!!! E às vezes, falo por mim, fico meio dormente, vou na onda, deixo andar, passo-lhes o que me foram passando. E isso é pouco, muito pouco!
No fundo, vamos crescendo junto com eles, não é?!!!
Ana, um texto enorme, mas este tema anda-me aqui e agora na alma... :)
(Sim, Naná, eu sei...)
Só para dizer que sou casada - e muito bem - com o meu maridO, é que no texto acima escrevi marida e sou mesmo mal! Para quando uma ferramente de edição dos nossos próprios comentários? Ou reler antes de publicar, se calhar era bom...
Adorei o comentário da Vera :D
Adoro sempre.
Vera, a minha mãe que também tinha o teu nome, ajudou-me imenso da aprender a pensar e a encontrar respostas!
Se hoje sei a tabuada de cor é por causa dela!
E foi com ela que aprendi a usar um dicionário, porque sempre que eu perguntava o significado duma palavra ela mandava-me ir à procura nesse livro tão importante! E não era por preguiça ou por não saber... era mesmo para me forçar a ir à procura do que eu queria saber. fazia o mesmo com os livros e as enciclopédias!
Será que isto é assim tão difícil?!
E seria engraçado teres um marida :P
Ó Melissa, obrigada, eu sou biblogpolar - dai não ter um blogue diário - é que há dias em que não produzo, outros em que me sinto inspirada...
Naná, isto é como ser organizada (uma coisa a que me ando a habituar porque, parecendo que não, ajuda a poupar muito tempinho...). Não é difícil mas a mim falta-me esse hábito, é muito mais rápido dar uma resposta... mas é mais eficaz e produtivo e útil e importante, levá-los a procurar as respostas...
É unânime: Todas adoramos a Vera.
Ó Ana C. desde que te informei que somos melhores amigas que não páras, melher! Menos. Tenho dias. De facto só conheço a Gralha mas há aqui um grupo (sigo a blogosfera basicamente pelos links dela, ahahahahah, o cúmulo da preguiça...) mas dizia que há aqui um grupo de mulheres que me fazem rir, perceber, pensar e compreender algumas coisas. Há partilha. E eu acho isto giro. E gosto. E gosto muito mais disto do que do FB, que ninguém é perfeito. E às vezes sinto-me até mal por não ter um blog mais pessoal, o meu fala de outras pessoas. Já tive, já desactivei, e às vezes acho que devia reaparecer, e não ser só uma lazy professional commentatter (para a Melissa)!
Daí, se não se importam da minha intromissão nos vossos posts, das minhas colheradas, até dos dias em que de certeza notam que não apareço porque, parecendo que não até trabalho (agora bocejei), ainda bem.
Estas coisas virtuais têm muito de mau, muito de falso, muito de nuita coisa, mas é também muito giro, que é! Obrigada!
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