Uma das vantagens de ter 33, ser mãe e condutora de uma carrinha tremendamente familiar é não fazer fretes.
Não fico num filme que não gosto até ao fim só porque paguei bilhete. Não vou a um jantar aborrecido só porque me convidaram. Não perco tempo com pessoas chatas só para ser socialmente aceite. Não vou a festas até às 3 da tarde do outro dia só para mostrar que ainda sei curtir a noite.
A minha última extravagância foi um concerto da Maria João Pires no CCB. Comprei os bilhetes e arranjei quem ficasse com a Alice com um mês de antecedência. Ainda por cima tocava Beethoven. Eu queria lá saber que peças do compositor é que ela tinha escolhido (parva Ana). Ia ver a Maria João Pires e ponto. Lá, Lá, Lá. Aí vamos nós, Lá, Lá, Lá.
Sentámo-nos e o mau pressentimento começou quando li numa folhinha sobre o assento:
É favor não bater palmas, pois perturba a concentração dos artistas.
Comecei com as comichões por mim acima: Mas que raio? Ela quer o quê, tomates na tromba em vez de palmas? Devemos ser pouco eruditos e tem medo que batamos palmas fora do timing.
A segunda parte do mau pressentimento começou quando percebi que no palco estava uma mesinha com água e cadeirinhas, onde, de cada vez que um dos músicos (eram 3 a contar com ela) terminavam a interpretação se iam sentar a contemplar o colega que tocava em pose intelectual.
- Ai o caraças, isto cheira-me a esturro Hugo. Eu cheiro uma seca a quilómetros de distância.
- Calma, eles ainda nem começaram a tocar.
Mas eu nunca me engano e os primeiros 15 minutos foram de pura e dolorosa tortura. As peças escolhidas eram do mais angustiantemente secante que possa no mundo existir e eu já chorava, enquanto falava entre-dentes:
- Uma noite livre para isto? Aiiiiii que vou adormecer!!!!!! Aiiiii tirem-me daqui!!!!
Pelas vergonhas do Hugo, aguentei-me 45 minutos. Minutos de pura dor e era geral, pois dava para ver pela forma como as pessoas se remexiam nas cadeiras, que estavam a tentar não dormir.
Com uma espécie de mola no rabo levantei-me em plena interpretação da nossa auto-renegada portuguesa e comecei a furar pelas pernas das pessoas, seguida pelo meu envergonhado marido.
- Com licença, Com licença.
A porta tão longe e tão perto. Vem a mim Saída, ar puro, liberdade!!!!!!!
Perante olhares invejosos lá saímos aos tropeções e com um tremendo ataque de riso.
Toma lá Maria João. Não tiveste palmas, mas tiveste a nossa saída triunfal só para te desconcentrar.