Estamos a ler um livro, participamos os progressos no Goodreads, depois damos estrelinhas.
Estamos a passar por um passarinho pendurado num galho, o nosso puto olha o passarinho e nós partilhamos no instagram.
Jantamos com amigos, fotografamos a comida e os copos e partilhamos no facebook.
Sentimo-nos ansiosos, partilhamos no twitter.
Sentamo-nos num cinema a ver um filme, fazemos o check-in numa aplicação cujo nome não me recordo.
Começamos a seguir uma série, partilhamos com outra aplicação qualquer.
Nasce um filho, o pai coloca o pipi da mãe no facebook, no momento de expulsão. Depois faz dessa fotografia, a sua foto de perfil.
Um filho dá os primeiros passos e sentimos que ele não deu os passos, se não o partilharmos com os 1000 amigos no facebook.
Estamos num concerto e a preocupação maior é fazer chegar aos 1000 amigos aquele momento, partilhando com smart-phones o concerto todo. Preocupando-nos mais em apanhar o cantor com o telefone, do que em ouvir a música e dançar.
Estamos a viver um desgosto de amor e enchemos o nosso mural com dizeres maravilhosamente profundos, retirados de um site com dizeres sobre todas as disposições emocionais existentes e aguardamos as reacções dos 1000 amigos.
Estamos felizes e colocamos dizeres maravilhosos sobre a felicidade e sobre o que mentes geniais pensaram sobre o assunto e aguardamos as reacções dos 1000 amigos.
Deixamos de estar num relacionamento e colocamos "solteiro" na informação de perfil. Aguardamos as reacções dos 1000 amigos.
Pedem-nos amizade no facebook. Não conhecemos essa pessoa, nunca a vimos, nunca ouvimos falar dela. Não envia uma mensagem a dizer o que a motiva a pedir amizade, mas é suposto aceitarmos para engrossar a lista de amigos.
No parque infantil, olhamos em volta e 97% das mães e dos pais escrevinha qualquer merda no smart phone.
A sério. Eu sinto que precisamos de rever as nossas vidas com urgência. Os nossos cérebros e o nosso espírito caminham para um local sombrio que me assusta à brava.
É como se o equilíbrio e a sensatez tivessem já desaparecido. Só vejo compulsão pura e dura.
Existem duas vidas. A real e a virtual. E a realidade, é que as pessoas já não se sentem bem nas suas vidas, se não as partilharem a todo o instante.
Maioridade
Há 5 dias
14 comentários:
Querida Ana, também me assusta, esta nossa vida virtual, nos moldes em que falas.
Mas depois penso que também pode ser aproveitada para o bem, como por exemplo as ajudas e apoios que tenho conseguido fazer, através da nossa esfera.
E travar conhecimento com pessoas que de outra maneira nunca o conseguiria. Como contigo, por exemplo.
E hoje estás aqui:
http://manuelacolaco.blogspot.pt/2013/03/leitura-todas-as-palavras-de-amor_18.html
Mais uma vez o meu agradecimento pela oferta, desta tua excelente obra.
Um grande beijinho. :)
É a vida 2.0. Esqueceste uma outra plataforma importante e mais antiga que as demais: o blog. A partilha nos blogs. Apesar de alguns o fazerem com um pseudonimo ou inventarem um novo personagem, é sempre uma partilha quase diária para muitos.
Um texto que devia ser divulgado até à exaustão, colado nas paredes, distribuído às portas dos cafés, dos cinemas, do estádios de futebol, das igrejas...
Não brinco! é que eu não me deixei ainda contaminar e sinto-me tão sozinha.
Lídia
Ana Cê, como subscrevo este texto!!!
E eu acrescentaria: o que se partilha das nossas vidas é tudo tão cheio de perfeição, tudo tão maravilhoso, que estabelece uma fasquia altíssima para os demais, que querem igualmente ser maravilhosos e ter vidas perfeitas, mesmo que seja apenas no campo virtual!
E ultimamente sinto que isso me tem trazido um certo de fastio de todas essas apps e redes sociais... estou cansada de frases feitas, partilhadas até à exaustão, a querer revelar o quão sábios somos e o quanto sabemos "apreciar esta viagem que é a vida".
Haverá casos de pessoas que realmente o sabem fazer, mas certamente não estão ocupadas a partilhar isso indiscriminadamente...
Há 17 anos atrás, pelo menos, os telefones eram fixos, ninguém estava contactável ao segundo, não havia internet, escreviam-se cartas e enviavam-se postais...Já havia ecografias, gravadas em cassetes vhs.
Em menos de duas décadas tudo mudou radicalmente!
A vida é uma partilha global :)
Concordo, como concordo.
Felizmente rodeio-me de um grupinho onde os telemóveis ficam no bolso quando estamos a fazer algo, a conversar, etc. Isso dá-me prazer.
É certo que uso o facebook e o meu blogue e partilho coisas lá mas sei que o faço num meio caminho entre o que era antigamente e o exagero que muita gente faz hoje. Até porque uso apenas o facebook e o blogue no computador em casa e nunca fora dela.
Isto eh tudo novo, esta em fase de calibragem. Nada temam.
Elite, eu acho que os blogues já estão obsoletos, em termos de partilha imediata.
A única coisa que me assusta é a compulsão, o não conseguir parar, nem filtrar o que se partilha, pois já não se vive o momento da mesma forma se não for partilhado com centenas de pessoas.
É um fenómeno que me assusta...
Qualquer dia inventam uma aplicação em que partilhamos o que estamos a pensar, no mesmo segundo em que o pensamos.
E sim, Turista, o mundo virtual tem a capacidade de ajudar. É incrível o apoio a muitos níveis que se consegue através da partilha virtual. Eu tenho sido testemunha de casos bem comoventes.
Olha, o que eu gostei mesmo neste texto foi do pipi da mãe no momento da expulsão do filho como imagem de perfil do papá!! LOL
Não imaginas o quanto tenho pensado nisto!
E ando farta de todas as redes!
Também já tinha reparado nisso e, confesso, que também me faz uma certa confusão.
Há que rever muita coisa, pois há!
Bjs
Post maravilhoso! Devias partilhá-lo no facebook... :-P
Não posso deixar de concordar. Como é ficticia a vida...
Bem pensado!
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