Passeio em Sintra e decido fotografar os meus ténis no meio da calçada e das folhas alaranjadas pelo Outono. Inspiro a única humidade que desculpo, a de Sintra, e olho em meu redor. Tudo aquilo é fotografável, publicável, partilhável e, por momentos, esqueço-me de que estou ali e de que é verdadeiramente possível existir fora das partilhas virtuais.
Os meus pés nas folhas, que bela fotografia para o Instagram, a minha ida a um hotel centenário, o que seria se não a partilhasse e esperasse pelos comentários dessa rede invisível, que liga pessoas que não vemos.
Passeio em Sintra e penso como é estúpida esta constante partilha de tudo e como faz com que nos sintamos sempre superiores àquilo que realmente somos.
Há quem cozinhe e partilhe aquilo que come, imaginando-se o Jamie Oliver, ou guru das comidas saudáveis, há quem empreenda tarefas domésticas e as descreva on-line, com dignidade de trabalho, quando na realidade são um simples desespero, sem brilho, nem graça de espécie alguma. Há quem escrevinhe pensamentos na sua página virtual e entenda que os comentários àquilo que escreveu validam a sua veia artística, que pode até ser nula. Há quem partilhe uma doença de um filho, por sentir-se mais acompanhada na luta inimaginável que atravessa.
Não consigo julgar de verdade, mas fico triste, pois nada disto é sinónimo de amizade, nada disto equivale a talento, nem popularidade real. Nada disto é verdadeiramente nada. Revela apenas um talento para fugir a si próprio, ou à solidão.
O número de casais que decide sentar-se nas mesas dos restaurantes, cada um partilhando aquele momento na rede, com os seus Tablets, ou Smart Phones e não se comunicam, não se olham, não se falam, não se dirigem, assusta-me de forma irreversível e obriga-me a desligar às pressas todos os aparelhos que me liguem ao mundo fora dos meus momentos importantes.
É que tenho medo de me esquecer como se vive, com todos os podres que são inerentes a qualquer vida normal, sem empolamentos.
A internet, a par de tantas coisas magníficas que trouxe, trouxe também a morte do olhar e morro de medo de me esquecer como se olha pelos meus olhos.
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 1 mês
6 comentários:
Amen.
Eu penso que há várias fases, como nas doenças, umas mais críticas, outras menos.
Dou-te o exemplo de que se a Gralha não tivesse o blogue estaria muito mais perdida da minha vista, a par de tantas outras amigas. Mesmo assim não faço ideia do que se passa no geral que é a vida dela, mas há um contacto assegurado, bom, como se bebêssemos um café rápido de vez em quando, sem tempo para conversas prolongadas. Há uma partilha que é boa, sem o stress de ser constante, é-o como outra coisa qualquer. Outro exemplo, na semana passada tinha tanta coisa partilhável, até porque queria que algumas amigas que vão ao meu blogue vissem, mas não tive tempo, passou, sem problema.
Quando se chega ao ponto que exemplificaste, do casal no restaurante a partilhar com os outros uma coisa que nem está a desfrutar, é já uma fase muito crítica, sim. Muito triste.
Tal como em tudo na vida, o que passa do limite do equilíbrio/normal(idade), torna-se doentio e maligno.
No caso do instagram, e aqui falo por mim, creio que me despertou a mente e o olhar, me tornou mais atenta aos pormenores que me rodeiam no dia a dia, e que talvez antes do IG me passariam despercebidos... no entanto, isso não significa que ande a instagramar tudo e mais alguma coisa para partilhar... aliás, tenho mesmo registos que decidi não publicar, para não maçar as pessoas! Que é uma cena que me irrita um bocado, ver 10 fotos da mesma coisa, mas de 10 ângulos diferentes...
Este teu post deixou-me aqui a pensar. Há muito que me questiono do porquê de ainda manter o blogue, quando não tenho qualquer pretensão de ser muito lida ou ter muitos comentários. Não procuro popularidade, não espero que reconheçam um talento que eu sei perfeitamente que não tenho. Não o tenho para partilhar com amigos ou familiares o que vou fazendo, pois ninguém sabe que o tenho. Quando o criei, estava numa fase complicada da minha maternidade e admito que me ajudou poder expor (em demasia, reconheço) o pior que tinha, sem ter que dar a cara. Então e agora? Pois agora, para além de gostar de ir lendo o que escrevi para trás, admito que é uma forma de me sentir menos sozinha (é uma ilusão, eu sei).
Para mim, esta é a eterna questão do mundo virtual. Os meus ciclos de partilha e de afastamento são tão comuns que já não ligo a nenhum deles. Há alturas em que me apetece partilhar tudo e mais alguma coisa, outras em que me estou positivamente a cagar para este hábito esquizofrénico de nos darmos aos outros.
Estou como a Melissa, não escrevo para ninguém nem para receber comentários, mas seria uma grande hipócrita se não reconhecesse que os comentários me fazem bem ao ego, me fazem sentir ouvida, na maior parte das vezes apoiada, validada, embora tenha plena noção do valor real que têm. Os blogues, as fotos no Instagram, os status no Facebook não são mais que puros exercícios de busca de atenção, de aceitação e, no meu caso, reconheço que comecei a escrever no blogue porque me sentia terrivelmente sozinha durante o dia.
Mas sim, sempre senti as fragilidades deste mundo virtual e sempre me debati com o excesso, com a falta de interesse real que isto tem. Por isso deixo os meus mundos virtuais tantas vezes ao abandono. Mas não posso esquecer que foi através dele que conheci algumas das pessoas mais importantes da minha vida, que passaram já para o mundo da gente de verdade e sem as quais não me imagino a viver. Nem que nos encontremos só aqui, numa caixa de comentários perto de si!
Este blogue trouxe-me pessoas absolutamente inesquecíveis e relevantes na minha vida, ponto final. A minha reflexão é apenas para que não percamos o pé nesta vida virtual. Um blogue não faz de mim uma escritora, jornalista, ou crítica, se para isso não tiver talento. Não sou contra os blogues, nem facebooks, nem instagrams, mas fico triste quando percebo que eles se apoderam da vida das pessoas e as levam a acreditar que são mais do que aquilo que são.
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