É tão bom quando tropeçamos em blogues com textos assim. É bom, porque é raro e as coisas raras levam tempo a encontrar, mas depois de entrarem calmamente dentro de nós, num mar de palavras que nos fazem tanto sentido, é dificil voltarem a sair.
Gosto de partilhar convosco as minhas leituras de eleição, por isso aqui fica:
De uma maneira geral, no mundo ocidental - na concepção que nós, europeus, temos da 'ocidentalidade' - já serão poucos os que se casam por interesse. Ainda assim, continua a haver por aí muita gente presa a relações às quais só sobra a forma, porque estão há muito vazias de conteúdo.
A dada altura, na nossa vida, todos nós já experimentámos manter vivos os laços que nos uniam a alguém, pelo simples facto de acreditarmos - e nessas alturas acreditamos piamente - que é impossível uma coisa tão lógica, como estarmos junto 'daquela' pessoa, deixar de existir. Infelizmente, todos o sabemos - ou aprendemos, por vezes, aos trambolhões - a aritmética das emoções e dos afectos não é uma ciência exacta e nesta coisa dos sentimentos, dois mais dois nem sempre são quatro.
Um amigo e ex-colega contava-me há tempos o seu desaire [na altura] recente. Desabafava a sua pouca sorte e lamentava a falta de ajuda cósmica. Dei-lhe uma palmadinha nas costas e aconselhei-o a seguir em frente. Terá sido de pouco uso o "caga nisso e bebe a cerveja, que gajas há muitas", mas, nestes casos, o que é que de inteligente se pode dizer a quem acha que o mundo (o seu) está a desabar?
Em momentos de confissões sacramentais, fico sempre sem jeito e sem argumentos. Eu, que, de uma maneira geral, tenho opinião formada ou a formar sobre tudo e mais alguma coisa. Nessas ocasiões, olho para o meu interlocutor e julgo simplesmente inútil perder-me em argumentos que tentem convencer aquele sujeito, feito em merda, de que a vida é uma coisa bestial.
Hoje, por e-mail, o tal amigo voltou ao tema. Agora, sonhador, encantado e, de novo, apaixonado. Isso pôs-me a pensar.
Homens e mulheres são diferentes, mas, independentemente dos genitais que o Senhor nos deu, ser pénis ou vagina interessa muito pouco quando aquilo de que se trata é de entregas e devoluções.
O facto de aceitarmos, às vezes com leviandade, partilhar a nossa vida, de mão beijada, com alguém, é, à partida, um risco sujeito a consequências potencialmente desastrosas. A nossa geração, esta dos finais dos anos 70 e princípios da década de 80, tornou demasiado fácil o compromisso, sem se dar ao trabalho de o aprofundar. As relações, as que o chegam a ser, já o são antes de o deverem ser. Hoje eu já te amo, amanhã estarei a viver contigo.
Num ápice, viramos todos imperiais mal tiradas. Dentro do copo, só espuma, sem cerveja. À primeira adversidade, porque não criámos laços sólidos, questionamos tudo e destruímos as leis da física que, cinco minutos antes, tínhamos por universais. Pegamos no saco do lixo, damos um nó, dois e levamos para o contentor. No regresso, estaremos prontos para outra.
Felizmente, restam-nos ainda exemplos felizes, de gente que perdura no tempo. Conheço casais assim. Novos e velhos. Gente feliz e não apenas contente. Homens e mulheres que, com ou sem semelhança de género, não querem saber viver separados.
Uma relação é uma partilha: que não implica que cada parte se anule, que deixa espaço para a individualidade, mas uma partilha que se constrói, aos poucos, devagar. E será sempre uma ralação. Às vezes, estar com alguém, fazer por dar certo, é chato ao ponto de não apetecer mais.
Sou um aprendiz desta coisa que é viver. Aos disparates, conheço-os a todos. Já me anulei, já desprezei e já fui indiferente. Quis estar e arrependi-me profundamente de ter estado. Enganei-me na pessoa e enganei-me a mim próprio. Vivi num permanente estado de ansiedade. Nesse aspecto, tornei-me um homem mais adulto. Pelo menos, inspiro e expiro sem comprometer os batimentos cardíacos.
Escrevi uma vez que os meus pais são o meu modelo. Continuo convencido disso e os seus trinta anos de casamento feliz (complicado, mas feliz) são a prova de que estou certo. A minha mãe tem um feitio difícil e o meu pai é um homem solitário, com poucos amigos. Ele aturou-a e ela fez-lhe companhia. Não me contentarei jamais com menos do que aquilo que eles representam. O seu exemplo será sempre o meu guia. Serei paciente e persistente. Ainda assim, esgotadas todas as possibilidades, preferirei o caminho mais sinuoso, se assim tiver de ser, e tomarei decisões difíceis, se não as puder simplificar.
Mesmo que a tropeçar no meu pé 45, espero nunca me esquecer de como é que se ama alguém: ao meu jeito, no meu defeito e na minha ingenuidade. Por isso, obrigo-me ao dever de querer perceber a mesma verdade - e o mesmo presente - no olhar de quem estiver comigo, seja eu um jovem à beira dos trinta ou um sexagenário com bicos de papagaio.
Esta manhã, ao acordar, olhei para a mulher que amo e pensei o quanto ela é importante na minha vida. O quanto cresci ao lado dela. Naquele fragmento de tempo, revivi um sem número de momentos que partilhámos os dois. Nem todos felizes, muitas discussões e desentendimentos, mas sempre intensos. Os quilómetros que fizemos, a aventura em que nos metemos e as precipitações que protagonizámos. Não sei medir o tamanho do sentimento que nos mantém juntos. Não sei, se o pesássemos, se a balança estaria equilibrada. Talvez não. Não faço ideia onde estaremos daqui por uns meses. Contudo, ao vê-la despenteada, ainda a dormir, não me importei com nada disso. Limitei-me a recordar o seu riso, a sua irreverência, o seu feitio ainda pior que o da minha mãe e o quanto gosto dela quando me faz detesta-la.
Ao meu amigo, agora, não querendo estragar o momento, talvez lhe dissesse que até prova em contrário nos limitamos a viver apenas uma vez, o que, para lá do cliché, é motivo bastante para não perdemos tempo com quem não quer perder tempo connosco. Acrescentaria, porém, que o melhor é não pensar muito no assunto.
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 1 mês
5 comentários:
Gosto de textos assim. Que nos deixam a pensar no fim. E que nos fazem rever a nossa vida.
Obrigado :)
Gostei muito! Seria bom mandar para uma pessoa que cá sei para ver que afinal os homens também reflectem, sentem, etc, sem por isso terem uma vagina.
Muito bonito. Tão bonito quando alguém questiona e sabe porquê e tem a certeza ao mesmo tempo que não tenta compreender o amor. Obrigada - mais uma vez - por partilhares :)
Muito bom!
No início até pensei que fosse escrito por uma mulher, tal a "profundidade" do texto (homens, não se ofendam, por favor).
Parece que vou ter que "estudar" bem esse blog.
Obrigado pela partilha.
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