As pessoas com cancro, por debaixo das cicatrizes e mazelas dos tratamentos inerentes, por debaixo dos medos e coragem demonstrada,são precisamente isso, pessoas.
Mas são também pessoas com cancro, pois às tantas há que aceitar que se vive com esse inquilino filho da puta, que ora se esconde, dando tréguas, ora reaparece, obrigando a mais uma batalha. Mas que estará sempre presente, umas vezes impelindo a que se fale nele, as vezes necessárias à expulsão de todos os anseios, outras tentando passar um dia inteiro sem falar sobre ele.
Pessoas com as suas histórias, passado, sonhos, expectativas, sensibilidades.
Pessoas dignas de serem conhecidas, reconhecidas, faladas, mexidas, amadas, apesar de e com a sua doença.
Pessoas que não são a doença, mas que também a são um bocadinho, pois não há como separar as duas coisas.
Ensinaste-me que não devemos fugir das pessoas, apenas porque carregam o estigma da palavra C e, por muito dolorosa que esteja a ser a tua ausência, não deixarei nunca que o sofrimento de não te saber já no meu mundo, seja superior ao privilégio que foi ter-te na minha vida.
Como dizes, "o sofrimento não é preciso para nada, mas existe e, como tal, não sei fingir que não está lá, nem varrê-lo para debaixo de um tapete imaginário, só para não encher os meus dias da poeira dos outros." E é por isto que gosto de aqui vir, e gosto ainda mais dos comentários que me deixas nos Episódios. Porque te aproximas, porque te deixas contaminar, porque não ficas à distância nem em silêncio. Tal como é preciso ter coragem para levantar a cabeça quando se sofre, também é preciso a mesma dose de coragem para não olhar para o lado na esperança de não ver esse mesmo sofrimento. Saber que há pessoas como tu, que me aceitam (a mim e ao meu sofrimento) é o que me inspira e me dá esperança que o sofrimento não é (em) vão, que mesmo do pior, piorzinho dos cenários, pode mesmo surgir qualquer coisa de bom.
*comentário deixado pela Silvina aqui no blogue.
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 1 mês
10 comentários:
Também aprendi tanto com ela...
A Silvina vai ficar sempre connosco, apesar da ausência, através da sua voz que quase ouvimos quando lemos o que escreveu.
Penso nela todos os dias...
<3 <3 <3 <3
Beijinhos
Ainda hoje acho incrível uma gaja brilhante daquelas falar em "aceitá-la", como se tivéssemos a fazer concessões, como se ela própria não fosse a grande honra e privilégio.
Ainda bem que *ela* me aceitou a mim. Vou agradecer à vida por este encontro para sempre.
*estivéssemos, claro.
Aqui vim parar pela mão de Mammy.
Uma emoção e vontade de partlha tomou conta de mim.
A "Silvina", não é igual a nada que tenha conhecido. ou talvez sim. O Daniel, amigo do meu filho, partiu há 1 ano. 33 anos. Também teve uma forma superior de lidar com o C. Mas Silvina, por ser uma pessoa de personalidade vincada e por pessoalmente ter partilhado com o seu pai "os episódios" que ela não relatou no seu blogue, faz-me ser conhecedora de uma pessoa impar.
Vou conversar um pouco com a Mammy.
Tudo de bom para si, Melissinha.
Abracinho
Ana
O que ganhamos é infinitamente mais valioso do que passar-lhes ao lado!
É exactamente isso tudo, Cê. E a generosidade e simplicidade com que o fazia. Queria tanto agarrar com muita força todas estas dádivas.
Que belo texto, Ana! Era o que ela mais queria, que as pessoas aceitassem a doença com ela em vez de a iludirem e de se iludirem. Só assim conseguímos aproveitar todos os momentos com ela, com verdade.
Esta miúda mudou tanto a minha vida... que não passa pela cabeça a ninguém. Há pessoas que se agarram a santos. Eu agarrei-me a ela, às palavras dela, ao sofrimento dela... apesar de lhe ser eternamente grata sinto um peso de dívida enorme que não tenho como colmatar... e tenho estado, sinceramente, de luto.
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