A propósito
deste post, lembrei-me nitidamente daquele dia em que fui ao supermercado com a Alice e, ao entrarmos no elevador, deparámo-nos com uma senhora cujo rabo excedia certamente o limite de peso do monta cargas. A senhora estava virada de costas para nós, oferecendo-nos, naquele espaço confinado e tão atreito a ataques de riso, a visão da sua prateleira.
Eu quase fiz xixi nas calças com o esforço nervoso de não me rir e evitei a todo o custo olhar a minha filha, temendo o pior.
A uma certa altura, já só havia o rabo no elevador, nada mais era importante, nada mais era visível, só aquela bunda gigantesca na minha cara, até que, num impulso infantilóide e parvo, olhei a Alice, só para confirmar que ela estava prestes a desmanchar-se a rir, tal como a imbecil da sua mãe, mas ela estava normalíssima. Falou comigo sobre o bolo que íamos fazer com os ingredientes que compráramos e olhou o rabo, como se fosse o rabo mais normal à face da terra. Ter ali aquele rabo, ou o rabo da Gisele Bundchen era igual para a minha filha e eu rebentei, literalmente, rebentei de vaidade naquele bocadinho de gente que saiu de dentro de mim.
Ela odeia que se goze com alguém, odeia quando ouve piadas sobre o Obama, pela cor da pele dele, odeia que os colegas gozem com outros colegas.
Mas, pensando bem, alguma desta forma de agir, e aqui não vou guardar créditos na algibeira, tem sido estupidamente incutida por mim. Desde minúscula que lhe faço lavagens cerebrais em relação a descriminar colegas por serem diferentes, mais frágeis etc. e desde minúscula que ela me escuta, de olhos arregalados e interesse superior sobre as minhas palavras, como apenas nesta idade nos escutam.
Um dia destes, deu uma reportagem sobre um menino bailarino e ela começou por estranhar, o menino no meio dos tutus e das sapatilhas rosa e de todo aquele universo tão associado às meninas, mas 5 minutos de conversa depois, já tinha percebido que há meninos que gostam de dançar e que o fazem tão bem, ou melhor do que meninas e que não havia essa treta de profissões de meninos e de meninas, muito menos na dança.
Se vos disser que esta é a parte da maternidade que mais gozo me dá, não estarei a mentir, pois sinto que está nas nossas mãos, pais e mães, formarmos pessoas descomplexadas e íntegras. Está nas nossas mãos, sim.
É em casa que oferecemos as bases para a forma como se comportarão em sociedade, como descriminarão, ou não o próximo, e é este gigantesco poder que nos é conferido desde o dia em que nascem.
Não nos demitamos dele, não achemos que é coisa menor, nem o deixemos nas mãos dos outros. Ensinemos os nossos putos a não descriminarem, desde minúsculos, sim?
19 comentários:
Sabes o quanto chorei a ver o Billy Elliot?!
As crianças aprendem connosco isso e muito mais. Mais do que as palavras que lhes dizemos, aprendem com os nossos actos, as nossas atitudes. Porque eles são os primeiros a topar quando aquilo que dizemos ser correcto não bate certo com o fazemos na realidade.
E eles ensinam-nos uma grande lição quando nos mostram o quanto fazemos de juízos de valor sobre os demais...
Sim, Naná, eles cheiram uma peta a quilómetros de distância. Transformei-me numa pessoa bem melhor à conta disso :)
Mas nestes casos, é importante falares com eles e explicares-lhes certas coisas que estão muito estereotipadas.
As crianças podem ser cruéis mas são essencialmente moldáveis...cabe aos pais educar e fzer deles um bom projecto.
Ana só podes estar orgulhosa dos valores que tens transmitido à Alice. Quem se ia desbroncando toda no elevador eras tu :)
Té, eu sou patética nos elevadores, tudo se amplia no meu frágil espírito, muito dado a ataques de riso imbecis e incontroláveis. Tenho muito que aprender com ela, sim e continuar agir de acordo com o que lhe apregoo :)
Gostei MUITO deste post.
Ai Ana que refrescante ler coisas destas!
Em relação ao Billy Elliot é um dos filmes familiares preferidos, sabes quantos rapazes frequentam actualmente a escola onde dou aulas (tem cerca de 140 alunos)? Numa cidade que se diz tão culta etc etc? Zero. Alguns começam mas depois acabam por desistir porque são discriminados e não têm maturidade para lidar com isso. No colégio do meu filho andam apenas 2 (ele e um outro mais velho), e já ouvi atras de mim num dos espectáculos um "filho meu não estava ali" de um senhor, por sinal até muito importante e "culto" da cidade, é tão triste... Ainda há uma luta tão grande pela frente em relação a certos preconceitos...
Bem-haja ! Beijinhos
Estou com a Alice: ODEIO piadas racistas, odeio, odeio, odeio. Nunca achei graça a nenhuma, provavelmente por gramar com imitações do meu sotaque (sim, gente, isso é racismo) desde sempre e odiar de morte.
Celebremos as semelhanças. Muito menos divertido, eu sei, mas mais recompensador (de uma certa forma).
Cat., esse é o outro reverso da moeda... darmos-lhe valores sobre como não estereotipar os outros e não criar preconceitos, mas depois eles não criam algumas defesas para se defenderem da discriminação e do bullying.
Sem desmérito para ti (e para o Hugo), suspeito que a Alice é tão querida e boa que não faria discriminações dessas nem que fosse criada por paizinhos do PNR :)
gralha, não sejas cortes :) É um bocadinho das duas coisas, pode ser?
Agora a sério, nós temos livros/filhos com várias páginas em branco, que podemos ajudar a preencher com coisas boas, ou com coisas más. Tão simples como isto.
É claro que há feitios mais dóceis, ou menos dóceis, mais fáceis, ou mais difíceis, mas nós temos um papel importante nesta merda dos putos preconceituosos.
Tudo o que disseste está super correcto mas no teu último comentário, quando falas das páginas em branco, é que dizes tudo... é tão verdade...
Adoro as nossas conversas de "crescidos", quando eles perguntam, querem saber, quando nós aconselhamos, explicamos... É toda uma vida que vai partir daquilo que lhes damos, e é uma responsabilidade do caraças, se uma pessoas se poe bem a pensar nisso...
Naqueles dias parvos em que tenho menos paciência/berro mais/sou um bocado estupida só páro quando penso neles, e naquilo que estou a ser/fazer. Porque é agora, nesta doce infância que lhes passamos tudo, é uma "tarefa" que não se pode adiar, não é?!
Não sei se já tinha dito aqui, mas sou Educadora há uns bons anitos e luto contra episódios de descriminação, ironias e gozo, muitas vezes. Quase tantas como aquelas que peço, interiormente, para que ouçam e aprendam a mensagem que lhes passo.
http://saladosilenciocorderosa.blogspot.pt/
Olá Vânia, que bom, uma educadora para desabafar... porque há uma coisa que me aflige na escola dos meus filhos, e que passo a citar, enquadrando que estamos num concelho com 7500 habitantes, numa vila com 2000, enfim, é um meio pequeno. O que eu noto, e atenção que não me queixo disso, mas observo, é alguma discriminação por parte das próprias auxiliares e educadoras, juro. Porque este é filho de fulano e tem tratamento especial e aquele é filho de beltrano e é tratado com muito menos atenção e até alvo de gozo... Juro que já vi e ouvi coisas muito más pela parte dos adultos com quem os meus filhos passam tantas horas... e às vezes apetece-me falar, perguntar pela formação que têm, o porquê de certos comportamentos, os risinhos de gozo, o franzir a testa a uma roupa, o comentar o lanche... é demais e é uma falta de formação muito grande. Mas, como disse, não são todas e penso que acaba por ser um mal dos meios pequenos, o que é uma grande porcaria.
E depois há aquela questão que podemos aprofundar ainda mais, como o perceber certos comportamentos mais alterados nas crianças. Vejo mais o julgamento e o colocar o rótulo de mau do que o tentar compreender o porquê, o que se passa, o que leva a...
Também considero uma das marcas mais importantes que podemos deixar nos nossos filhos...
o meu filho tem duas colegas com necessidades especiais na sua turma e uma delas está sentada ao seu lado...já percebi que a ajuda sempre que pode :) no futebol tem uma colega menina e já interiorizou que as raparigas podem fazer tudo o que os rapazes fazem (até porque ela joga bem que se farta!) :)
Concordo tanto com este texto e com a tua ideia de ser esta a melhor parte da maternidade!
Eu também me orgulho muito de estar a criar os meus filhos para aceitarem a diferença e a diversidade como sendo o "sal" do mundo: Todos diferentes, todos iguais.
E acho que me estou a sair muito bem ;)
Pois, há algumas situações que eu, enquanto educadora, também já presenciei em adultos. E sim, também já testemunhei (não tão flagrante ou marcado) comportamentos mais favoráveis com "filhos" de fulano médico ou senhor presidente. Discordo e mete-me uma repulsa que nem é bom lembrar. Todos são iguais e têm de ser assim tratados. Caso contrário, enquanto adultos serão inseguros e destoarão da sociedade.
Posso dizer-vos que tenho o filho de uma colega de trabalho na minha Sala e a mãe é uma das minhas melhores amigas. E no entanto, essa criança devido ao feitio malandro que tem, passa a vida a ser chamada à atenção. Não faço distinções e pronto. Muitas vezes, sento-o na mesa, para que se acalme quando responde ou faz birra, e a mãe tem de se afastar quando o ouve chorar, por saber que temos de actuar na mesma, educando-o e mostrando o que é certo e errado.
Quanto ás crianças com deficiência, por vezes é vantajoso para as crianças ditas"normais" (odeio esta palavra aqui) conviverem com esses casos. Dessa forma, aprenderão o valor do afecto e da interajuda e que em equipa tudo flui. E que o amor, é igual em todo o lado, em todos os corações. Inmportante, é deixá-lo surgir :)
http://saladosilenciocorderosa.blogspot.pt/
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