domingo, 1 de janeiro de 2012

Made in Portugal

Se eu visse a Casa dos Segredos, não teria qualquer problema em admiti-lo, pois cheguei a uma altura da minha vida em que não minto sobre o lixo televisivo a que assisto. Todos nós precisamos de uma certa dose de abstração de vez em quando e eu não sou diferente.
Só que nunca assisti àquela merda. Entre miúdos doentes, falta de tempo para mim, falta de tempo para namorar, para respirar, não iria certamente gastar os poucos minutos que tenho livres a ver comportamentos símios em directo.
Para isso tenho o National Geographic.
Ouvi comentários, apanhei momentos, sim. Vi pessoas a coçar o rabo e com mamas grandes, vi chungaria, daquela que dói mesmo, e nada mais.
Mas ontem, na passagem de ano caseira, cairam-me os olhos na TVI (sim, algumas vezes eles caem) e vi um ser de bigode e fato de treino de nylon cor de rosa e preto, a grunhir qualquer coisa em directo. Parece que era o pai de uma das concorrentes (uma de franja loira) e ali estava ele, em pleno reveillon a debitar sabedoria paterna, num canal aberto, com direito a vários minutos de tempo de antena, simplesmente porque é pai de uma acéfala que tem um segredo e participou num Reality Show sobre vida selvagem.
E então fez-se luz e eu percebi finalmente o que é preciso fazer-se para se vencer em Portugal:
Não é trabalhar para ganhar dinheiro. Não é estudar, nem ter algum valor intelectual, ou espiritual.
O que é preciso para se ter valor em Portugal, é coçar o rabo em directo, mostrar o rego em fio dental, e provar que não se sabe nada além de um par de mamas. Quem conseguir ser menos em tudo, será premiado com o voto de quem gasta o seu tempo a ver este circo.
O que é preciso para lançar um livro em Portugal, é mandar um prédio pelos ares, ter sido casada com uma pessoa acusada de pedofilia, ou filha de uma pessoa acusada de pedofilia.
O que é preciso para se ser alguém em Portugal é ser-se ninguém.

11 comentários:

Lídia Borges disse...

Se não fosse para chorar, eu estaria a rir com vontade.
Assim é, sem dúvida!
"Ser-se ninguém" Perfeito!

Saudações cordiais, neste primeiro dia do ano.

L.B.

Miguel disse...

Começas o ano em grandíssimo estilo!! Na verdade essa tua frase é GENIAL: "o que é preciso para se ser alguém em Portugal é ser-se nunguém". Genial, ge-ni-al!
Adorei.

Bom ano!!

Filipa disse...

Eu acho que no post confundes"ser alguém", com "ser alguém famoso". Se se trabalhar condignamente e se se gostar daquilo que se faz - e é o meu caso - é-se "alguém" em Portugal ou em qualquer lado do mundo. E ser famoso é algo que não almejo ser.

Outra coisa: a casa dos segredos é um programa óptimo para se perceber o que é não ter o que damos como adquirido, como estar próximo dos nossos e fazer o quotidiano de ir ao café, ver tv, ter telemóveis, passear, etc., etc. A tua comparação com símios é boa na medida em que é como se voltasse à vida primitiva, sim. E isto, para quem trabalha ou estuda com humanidades, é interessante de analisar. Independentemente das razões que se possam ter para não se ver, existem muitas válidas para se ver o programa.

Melissa disse...

"O que é preciso para lançar um livro em Portugal, é mandar um prédio pelos ares, ter sido casada com uma pessoa acusada de pedofilia, ou filha de uma pessoa acusada de pedofilia".

Custa-me horrores, isso.

Irina A. disse...

O João M. ganhou e eu ainda não estou em mim.

Ana C. disse...

Tinha que vir a Irina estragar a minha profunda intelectualidade...

Quanto ao resto, o que eu quero mesmo dizer é que se os macacos da Casa dos Segredos quiserem editar um livro, ou entrar num anúncio da MEO, quiçá, apresentar um telejornal da Tvi, têm as portas abertas.
Já alguém com valor, é capaz de ter um bocadinho mais de dificuldade...

Filipa disse...

Até poderão, só que quantos conheces cuja fama não foi efémera? Apenas os que têm valor... Ou seja, é a grande máxima de até te podem dar uma cana de pesca, só que se não sabes pescar, adianta-te de pouco.

Quanto ao que eles fizeram como "macacos", admira-me que saiba quem não viu. Por acaso (ou não, porque por detrás até há castings muito bem feitos) até havia lá um ou outro com muito valor e criatividade (refiro-me especificamente à Daniela S., uma psicóloga mais velha, que sabia fazer tudo e mais alguma coisa em todas as missões que lhe era proposto participar). É que eles não andavam apenas a "roçar-se", tiveram que ensaiar peças de teatro, declamar poesia, cantar, fazer coreografias, fazer provas de cultura geral, etc., etc. Eles foram entertainers da TVI, pagos a peso de... prata (?) (200 euros por semana não me parece muito comparado com o que ganharão as Bárbaras Guimarães desta vida), em horário nobre... Mas claro que quem não vê, não sabe disso...

Naná disse...

Já há muito tempo que digo que no nosso país se premeia a burrice e a mediocridade...

margarida disse...

Espera, espera... E depois, se eu acreditasse que aquela "reportagem" da revista Sábado aos univrsitários não era uma grande treta manipulada, ainda nos admiramos com as respostas. É que todas as respostas certas, e eu tenho a certeza que foram muitas, desapareceram, não se viram, não se ouviram. Se queres aparecer na televisão é bom que a viagem dos teus sonhos seja à Península Ibérica. E depois ficamos muito admirados.

S* disse...

Triste realidade.

F disse...

Subscrevo. Tão infelizmente.