Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
Grandes diálogos: O Apartamento
Há 3 semanas
10 comentários:
O meu poema preferido do mundo inteiro... Houve uma altura em que o sabia de cor de tanto o ler. Felizmente, para mim, fui-lhe esquecendo as palavras, mas continuo a acha-lo maravilhoso
Hoje fui fazer umas análises ao hospital e enquanto esperava... vi uma senhora com o teu livro na mão. Opá, fiquei contente. Mesmo. Tinha de te dizer isto.
Parabéns!
Amo o teu gosto em poesia, Casaca.
(Em amigas também).
Melancia, sou bastante comichosa com poesia. Não bastam letras amontadas, soando a música.Tem que nos dizer qualquer coisa ;)
Me, obrigada :) Morro de vontade que isso me aconteça.
Melissa, diz-me com quem andas, dir-te-ei que poesias lês.
Eu não leio poesia nenhuma, só aqui no teu blog.
Melissa, isso confirma a minha teoria. Voilá.
Ninguém faz copy e paste a este poema sem deixar cair ao menos uma lágrima.
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